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Rondonópolis
, 21 maio 2024
 
 

Os cristãos e o mundo: A propósito do Ano dos Leigos e Leigas

(*) Prof. Dr. Adilson Francisco

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Tem retornado para o âmbito da vivencia cristã uma forma de viver a fé, no mínimo deturpada, que estabelece e reforça a separação entre o “sagrado” e o considerado “profano”, entre as “coisas de Deus” e as “coisas do mundo”. Nesta compreensão a Igreja é vista como refúgio, arca da salvação, lugar exclusivo para o encontro com Deus, enquanto o mundo é lugar do pecado, da perdição e das maldades. Frente a isto é preciso fugir do mundo, refugiar-se nos templos, ou no máximo “pegar” o que é útil do mundo e que sirva para o crescimento da igreja ou do grupo a que se pertence. Tal postura e compreensão não é evangélica, é também anticristã.

É do próprio Jesus que ouvimos “ Pai… não te peço que os tires do mundo”(Jo 17,15) Não à toa Ele pede que sejamos “sal da terra e luz do mundo” e quer que “o mundo seja salvo por Ele”. É verdade que no mundo há maldades e que o Reino de Deus, “não é deste mundo” (Jo 18,36). Contudo somos seguidores de um Deus que “amou tanto o mundo que enviou seu único Filho para que o mundo fosse salvo por ele”. (Jo 3,16-17) A encarnação de Jesus nos leva a valorizar este único mundo, esta única história onde vivemos e que compete a nós transformá-la. Transformar o mundo e as estruturas injustas por nós criadas neste mundo, com o testemunho, com o compromisso é uma pratica da fé encarnada. Uma pratica da fé arregaça as mangas, que ilumina e supera os sinais de morte na sociedade.

O papa Paulo VI, um dos grandes papas dos Concilio Vaticano II, afirmou a décadas atrás que “a primeira e imediata tarefa do leigo e da leiga não é a instituição e o desenvolvimento da comunidade eclesial – esse é o papel específico dos pastores – mas sim (…) o vasto e complicado mundo da política, da realidade social e da economia, como também o da cultura, das ciências e das artes, da vida internacional, do mass media e, ainda, de outras realidades abertas à evangelização, como sejam o amor, a família, a educação das crianças e dos adolescentes, o trabalho profissional e o sofrimento”(EN, 70).

Os dados censitários sobre as religiões no Brasil revelam que, como nunca temos tantas igrejas, tanta visibilidade midiática do cristianismo. A segunda maior bancada de deputados no Congresso Nacional, se intitula cristã e, paradoxalmente vemos crescer a corrupção, os índices e formas de violência, a desigualdade social e as suas desumanas consequências, a instrumentalização grotesca da política e dos meios de comunicação e as formas de intolerâncias, dentre outros graves problemas. Parece que a questão não é “falta de Deus”. De Deus se fala bastante, seu nome e seus símbolos e instituições continuam quase onipresentes na cena contemporânea.

Certa feita perguntaram a M. Gandhi, por que sendo tão humilde e pacifico como era, não se convertia ao cristianismo? Considerando os efeitos da colonização de um país “cristão” como a Inglaterra, sobre seus povo, Gandhi respondeu que não se tornava cristão por causa do contratestemunho que via e recebia dos cristãos.

Discordava solenemente da pregação missionária cristã, vazia de compromisso com a dura realidade dos “filhos de Deus” na Índia e afirmava aos cristãos que o interpelavam: “deixem que suas vidas falem a nós, assim como as rosas não precisam falar mas simplesmente espalhar seu perfume”.

Não é por acaso que o papa Francisco tem insistido “numa igreja em saída”, que vá de encontro as periferias humanas e existenciais. Uma igreja mais samaritana e menos preocupada com sua autopreservação. Uma igreja que se abra de fato a atuação dos leigos como verdadeiros sujeitos eclesiais.

Como portadores da graça divina, os cristãos são chamados a superar uma vivência intimista e individualista da fé, assumindo o compromisso ético e sociopolítico transformador onde quer que estejam: no mundo do trabalho, nos conselhos, nos sindicatos, nos partidos políticos, nas universidades, nas lutas sociais, políticas e ambientais, nos meios de comunicação, na atuação da vida cultural, etc. Nestes espaços os leigos e leigas são convocados pelo Cristo a ser seu rosto, suas mãos e seu coração, santificando o mundo. Ser assim, como lembra Puebla “homens e mulheres de

Deus no coração do mundo e homens e mulheres do mundo no coração da Igreja”.

O ano dedicado aos leigos e leigas, deve ser para toda a igreja – da qual os leigos são parte – momento de reflexão e profunda conversão no modo como igreja hierárquica e leigos compreendem e agem em sua missão. Os tempos difíceis que estamos vivendo requerem ousadia, profetismo. Requerem, como recordou papa Francisco aos políticos latino americanos, “ que os leigos católicos não permaneçam indiferentes à vida pública nem fechados nos seus templos, nem sequer que esperem as diretrizes e as recomendações eclesiais para lutar a favor da justiça, de formas de vida mais humanas para todos”.

Nesta virada de milênio, os sinais dos tempos desafiam os cristãos e as pessoas de boa vontade a não mais insistirem nas dicotomias que separam a fé da vida; o que é do espirito do que é da vida social e política. “Entre a panelas está o Senhor”, escreveu Santa Teresa D’Avila. Uma autentica fé cristã deve integrar e relacionar todos os espaços da vida, inclusive os espaços da política e das lutas por um mundo mais justo, descobrindo nesta inserção e compromisso, os sinais do Reino da vida.

(*) Prof. Dr. Adilson Jose Francisco é Professor universitário e coordenador do Conselho Diocesano de Leigas e Leigos

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