O desafio da substituição dos combustíveis fósseis, em decorrência da crise climática, representa uma oportunidade de aprofundar a industrialização da economia mato-grossense. Infelizmente, ainda pouco discutida por seus gestores públicos. A adição de valor industrial a partir do hidrogênio verde destaca-se nesse cenário. Atualmente, a fabricação do hidrogênio é realizada através de combustíveis fósseis, especialmente o gás natural. A sua utilização é empregada em setores intensivos em energia, como a siderurgia e a produção de cimento, que necessitam neutralizar suas emissões de carbono. A transição energética vai requerer a ampliação da produção global de hidrogênio de 90 milhões de toneladas para 200 milhões de toneladas, até 2030, de acordo com o IEA – Agência Internacional de Energia.
O hidrogênio verde é oriundo de fontes energéticas renováveis, principalmente eólica e solar, mediante o processo de hidrólise que requer elevadas quantidades de energia. A Embrapa está difundindo processos que visam a utilização de biomassa oriunda das cadeias do agronegócio para a produção de hidrogênio verde. Uma possibilidade seria a utilização do metano, oriundo dos biodigestores que reciclam os resíduos de aves, suínos e bovinos, para gerar biometano ao processo de hidrólise do hidrogênio verde. Outra aplicação tecnológica seria a utilização de resíduos das lavouras de soja, milho, algodão e cana-de-açúcar com a mesma finalidade.
Uma oportunidade ainda mais alvissareira seria o emprego do hidrogênio verde, oriundo de biomassa, na síntese da amônia utilizada nos fertilizantes nitrogenados, tais como a ureia, sulfato de amônia e diversos nitratos. Atualmente, a importação desses fertilizantes fabricados na Rússia e na China possui elevada pegada de carbono. O hidrogênio verde possibilitaria ao agronegócio a agregação de valor, através da oferta de fertilizantes nitrogenados “verdes”, para consumo doméstico e exportação.
O mercado, contudo, já está se mexendo. A multinacional Yara realiza um investimento para a produção de amônia verde a partir da biomassa da cana-de-açúcar, em Cubatão/SP. No estado do Ceará, estão sendo realizadas inversões, em torno do porto de Pecém, para a geração de hidrogênio verde a partir das fontes eólica e solar. Esses investimentos no Nordeste são destinados para exportação à Europa, com acordos já firmados.
O governo do Estado de Mato Grosso do Sul, por sua vez, constituiu um plano estadual para prospectar a produção do hidrogênio verde oriundo da silvicultura do eucalipto, preponderante no município de Três Lagoas, e de biomassa de suas cadeias agroindustriais. Destaque-se que a UFMS – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e a RBCPI – Rede Brasileira de Certificação, Pesquisa e Inovação celebraram um convênio para a construção, no campus universitário de Campo Grande, de uma usina piloto de hidrogênio verde para pesquisa aplicada.
No caso de Mato Grosso, a produção estadual de biocombustíveis já se apresenta como uma realidade exitosa, em virtude da operação de várias usinas de etanol de milho e de biodiesel de soja. O hidrogênio verde, todavia, adicionaria uma atividade industrial com potencial gigantesco de adição de valor à agropecuária regional. A grande demanda mato-grossense por fertilizantes nitrogenados, conjugada com a farta disponibilidade de resíduos agropecuários, apresentam-se como fatores de competitividade para a geração estadual de hidrogênio verde.
Adicionalmente, a ampliação e melhoria de sua infraestrutura logística, especialmente ferroviária, oportuniza custos decrescentes ao escoamento para exportação, especialmente de amônia “verde”. Em síntese, como líder do agronegócio nacional, Mato Grosso deveria aproveitar essa janela de oportunidade que tem potencial de impulsionar um novo ciclo de crescimento regional.
(*) Luís Otávio Bau Macedo é professor associado do curso de Ciências Econômicas e do Mestrado em Gestão e Tecnologia Ambiental da Universidade Federal de Rondonópolis