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, 22 maio 2024
 
 

Mimimi: os jovens de hoje não querem saber de nada

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Há algum tempo estive em uma barbearia e conversava com um senhor, que me atendia, sobre questões que afetam a vida nos dias de hoje. Havia dito a ele que lecionava na Escola Plena Pindorama e que nesta pandemia estava desenvolvendo habilidades pedagógicas nunca imaginadas em meu curso superior. Ele me falava dos sonhos que tinha quando adolescente, que chegou a ingressar no ensino superior, mas que não teria conseguido concluir o curso. Lembrava, com certo saudosismo, da forma como a escola “disciplinou” a geração dele, também da forma como a sua geração, segundo ele, tinha compromisso com o estudo. Então, me perguntou se eu concordava com a ideia de que “os jovens de hoje não querem saber de nada”. Prontamente respondi que não. E acrescentei dizendo que também não achava justo as gerações dos dias de hoje terem que reproduzir formas de viver e de se expressar das gerações anteriores.

Tenho observado com frequência essa afirmação de que os jovens dos dias de hoje não querem saber de nada. Tal ideia é rasa e não encontra na realidade a força que tem nas palavras destas pessoas, que não aceitam a forma como o mundo se transformou e passou a exigir das gerações atuais novos processos de sociabilidades inimagináveis ao tempo em que esses saudosistas construíram suas experiências de vida.

Um historiador chamado Lucien Febvre escrevia que “a história é filha de seu tempo”. A partir dessa afirmação, entende-se a necessidade que essas pessoas têm de reafirmar que o seu tempo foi melhor que das atuais gerações. Por isso, utilizam-se de expressões usuais e desqualificadores como “a geração do mimimi”, que “não se pode fazer piadas”, etc.
Quando se pensa a relação estabelecida ao tempo dessas pessoas e as que se firmam nos dias de hoje entre os mais jovens, faz-se necessário entender que as marcas geracionais que os caracterizam na atualidade – mas também as de antigamente -, são construções históricas, culturais, políticas e econômicas. Sendo assim, entre as gerações de um tempo e de outro poderá ter proximidades e distanciamentos. Porém, isso não significa que a anterior seja melhor que a atual e vice-versa.

Há um mês, aproximadamente, ministrei uma aula com estudantes do Ensino Médio, na Escola Plena Pindorama, na disciplina de Projeto de Vida, sobre as marcas geracionais e a forma como cada geração se constrói em um contexto específico. Naquela aula pedi para uma estudante, que mora com a avó, citar exemplos de diferenças geracionais entre elas. A diferença apontada pela estudante foi a de que a avó dizia que mulheres e homens não podiam ser amigos, porque não é interessante um rapaz ir à casa de uma moça, uma vez que a sociedade olhará a mesma como desrespeitosa. Esse ideal diz respeito à educação recebida pela geração à qual pertenceu à avó e gera conflitos com a geração da qual a neta faz parte, já que o mundo passou por um processo de transformação ao qual a avó não conseguiu acompanhar.

Outra discussão construída ao longo da aula foi com relação à forma como nos dias de hoje existem alguns gêneros musicais que fazem sucesso e são reconhecidos como marcas culturais das novas gerações, por exemplo, o funk e o sertanejo universitário. É importante salientar que não estou afirmando que todos/todas jovens ouçam ou gostem, mas, também, não se pode negar que é um estilo musical que marca, sim, o tempo dessas novas gerações.

Se compararmos com gerações de tempos anteriores, havia o “sertanejo raiz”, que cantava a relação do homem com a experiência de vida no campo: a presença de animais tipicamente do espaço rural e as dificuldades enfrentadas pela população do campo, entre outros elementos que se fazem presentes nessas canções. Atualmente, grande parte da população brasileira mora em áreas urbanas, sendo assim, já não é mais possível para parte desse povo se identificar com esses elementos. Por isso, o sertanejo universitário conta a história do homem que saiu do campo, chegou à cidade e encontrou a amante (Marília Mendonça), o “Batom de cereja” (Israel e Rodolfo) e, por fim, a “Liberdade provisória” (Henrique e Juliano). Essa discussão sobre a tentativa de, por meio de um saudosismo, colocar gerações anteriores como superiores às novas é literalmente, como canta ainda o sertanejo universitário, “como se duas facas se riscassem procurando o corte”.

Também tenho observado nas escolas por onde andei, professores/professoras que não conseguem se desprender de suas marcas geracionais para compreender e dialogar com as juventudes presentes na sociedade atual. Certa vez, ouvi uma professora dizer que não se podia mais fazer piadas com portugueses, loiras, caipiras, negros e homossexuais, entre outros grupos sociais, pois, segundo ela, os/as jovens dos dias de hoje não aceitam essas brincadeiras. A identificação da professora nada mais era que uma mudança ocorrida nas gerações de jovens dos dias de hoje, mas, provavelmente, ainda incompreensível a mesma. Afinal, foi de “brincadeira” que um grupo de jovens de classe média, em 1997, queimou vivo, Galdino, um nativo da etnia pataxó em Brasília, “mas não foi de brincadeira que ele morreu. Ele morreu para sempre”.

É surpreendente perceber a forma como, nós, professores/professoras, estamos adentrando o espaço da Educação Básica com uma percepção equivocada, rasa e superficial acerca dessas novas gerações. Como um/uma docente verá potência de transformação nesses jovens se suas ideias sobre as gerações aos quais pertencem são inadequadas? Se nem mesmo sabem que as gerações futuras cada vez mais se distanciarão destas de hoje? Se ao menos admitem que aquilo que nos motivava não serão motivações para esses jovens? Se não compreender que as gerações se encontram em tempos e espaços que as constituem com características específicas?
Fiz parte de uma geração que começava a conviver com o advento do computador e da internet, das redes sociais, entre outros. As gerações de hoje crescem com tudo isso à disposição, são os chamados nativos digitais, que encontram informações e, muitas vezes, conseguem construir conhecimento sem a necessidade de intervenção de um/uma professor/a. O que ganharemos ao negar isso?

Penso que é preciso olhar as gerações de hoje como produzidas historicamente em um contexto que as moldam de forma diferente de gerações anteriores. Pensar que esses jovens de hoje não querem nada, simplesmente porque romperam com marcas geracionais de outros tempos, seja no ambiente escolar, seja no familiar, em nada os ajudam a construírem seus projetos de vida e a reconhecerem as suas potencialidades de transformar o mundo. Usar termos que desqualificam suas gerações é apenas mais uma forma de desestimulá-los a se encontrarem neste mundo. Afinal, como canta o funkeiro, MC Marks, “e se Deus é por nóis, quem será contra nóis? Deixa os menor voar”.

(*) Ronaldo Alves Ribeiro dos Santos é Professor de Projeto de Vida e História, na Escola Plena Pindorama. Graduado em História e Pedagogia. Mestre em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso

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