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A escolha pela psicanálise

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Maria Teodora de Barros - 29-09-15Uma psicanálise é uma situação de escuta, que denominamos inconsciente, quando a fala de um repercute naquele que fala e no que ouve, numa relação entre dois, intermediada pela palavra em sua dimensão simbólica. Nesse contexto se rememora algo que não é lembrado de outra maneira. (Medeiros, Paulo. 2002)
Alguém procura uma psicanálise quando está vivendo uma situação dolorosa de conflitos, de medos, ou qualquer sintoma que o incomoda, sente que tem algo que não anda, tem dúvidas e não encontra saídas diante disso.
Sigmund Freud, criador da psicanálise, ao escrever Die Traudeutung, traduzido para o português como A Interpretação de Sonhos, criou a teoria do processo de leitura do texto inconsciente inscrito no sujeito. Mostrou o sonho como um dos principais caminhos nos quais se expressa o inconsciente. Mas o inconsciente se manifesta também em outras formações, como os lapsos, os atos falhos, os chistes, etc., devendo o psicanalista estar atento a todas elas na sua escuta para ajudar o analisante, aquele que busca a análise, a encontrar as verdades que estas formações revelam.
Na psicanálise o analisante ordena sua fala ao descrever sua relação com um não-saber sobre seu desejo, camuflado desde para si próprio. É o analisante quem fala. Há um dizer que advém de um Outro lugar, inconsciente, demandando a intermediação de um semelhante, um outro, o psicanalista, pois impossível auto-análise. Por isso um psicanalista é procurado como sendo alguém suposto sabedor daquilo ainda a ser dito pelo sujeito, como se este saber estivesse em outro lugar, em outro mundo. Demanda-se dele um saber a decifrar o desejo oculto carregado pelo sujeito. Consequentemente, tem sido a Psicanálise denominada de ciência do desejo, sendo, no entanto, sua ciência aliar-se à arte de indicar ser o desejo do sujeito proveniente desse Outro enquanto lugar de inscrições enigmáticas a serem decifradas na fala, como um texto a ser lido num outro sistema linguageiro (Medeiros, Paulo, 2002).
Esse desejo, digamos, primevo, instalado a partir de uma falta estruturante do sujeito, passou por um recalque original. Trata-se de um desejo interditado, e é essa interdição que faz o sujeito não saber sobre ele. Contudo, mesmo sendo um desejo recalcado, inconsciente, pode haver um retorno do recalcado. Ele aparece camuflado, na falha do recalque, donde se origina o sintoma para a psicanálise. Somos sujeitos falhados, tal qual o rei Édipo da tragédia grega de Sófocles. Freud usou desse mito para ilustrar o nosso não-saber do desejo, pois a essência desse mito para a psicanálise é o não-saber. O sintoma pode se tornar doloroso, insuportável. Nessa situação, principalmente, que o analisante procura alguém que saiba, um Sujeito a que se supõe Saber responder ao enigma do seu sintoma, do seu sofrimento.
Quando alguém questiona seu sintoma e deseja confrontar-se com a verdade, trocando seu sofrimento pelo saber do seu desejo, a psicanálise é o caminho.
Cada pessoa tem seu tempo próprio nesse percurso. Se o analista tiver pressa para “curar” o analisante, num furor curandis como dizia Freud, vai produzir um saber no mesmo sem chegar à sua verdade, deslocando o sintoma. O processo da psicanálise é contínuo, e seu tempo vai depender do subjetivo de quem se dispõe a se analisar.
No campo do psiquismo não falamos em diagnóstico, conseqüentemente, também não falamos em cura no sentido médico. Lacan fala em tratamento, palavra que vem do latim e quer dizer lidar, administrar. Ao longo da história da psicanálise Freud afastou-se do modelo médico, pôs-se a guiar o tratamento pela escuta do inconsciente e a deixar sua pressa em concluir a análise que conduzia.
É interessante observar que a psicanálise não trabalha com uma definição médica de normalidade. Para isso ela trabalharia com padrões, modelos de comportamento. Não. A psicanálise trabalha com a singularidade de cada um, respeitando o seu desejo, não sendo seu objetivo “ajustá-lo” a um modelo de comportamento. Se do outro modo fosse, seria uma terapia corretiva, como se houvesse um modo bom para aquele sujeito agir, e o analista soubesse qual é o bem para o analisante, fazendo-lhe aconselhamentos. Ora, o que é o bem de alguém? O que é bem para mim pode não ser bem para outro. Podemos querer bem uma pessoa, mas será que sabemos qual é o bem para ela? Por querer o bem do outro, muita mal já se produziu. Nesse sentido, a psicanálise não classifica o sujeito nem tenta adaptá-lo à sociedade segundo um modelo, não faz aconselhamentos. Por isso a ética da psicanálise é a ética do desejo. O desejo do analista é o desejo de que, com a fala do analisante, advenha ali o saber sobre seu desejo, sempre singular, não censurado. Aí a importância do analista ter realizado e concluído sua análise pessoal,condição fundamental na sua formação, sem a qual ele se imiscuiria na relação imaginária com o analisante, confundindo sua escuta.
Por outro lado, vivemos numa sociedade em que, cada dia mais, a indústria farmacêutica coloca no mercado medicamentos que prometem eliminar os sintomas mais dolorosos do sofrimento psíquico, a unificar comportamentos. Porém, os medicamentos não dão significação aos sintomas. Não se vai à origem da dor psíquica. Qual sentido ela tem? O que não quer dizer que alguém não precise nunca recorrer a eles. Quero dizer que tristezas, lutos, desilusões não são doenças que precisam ser tratadas pela bioquímica. Fazem parte da condição humana, da qual não podemos ser curados, a não ser nos despojando do que nos é próprio. Não podemos ser curados da nossa condição humana, mas podemos aprender a lidar com isso. E quando estiver difícil conviver com a dor resultante de conflitos interiores, a procura por uma análise é indicada, justamente para ordenar o dizer sobre essa e outras dores que estão camufladas, porque articuladas com o desejo.
Jacques Lacan especifica bem a psicanálise, diferenciando-a da terapia. A terapia pretende um retorno a um suposto estado de bem estar. A cultura, condição que nos diferenciou daqueles que vivem no estado da natureza, produziu o mal estar na civilização, que é sua própria condição de existir, advinda da lei da proibição do incesto, o que, conseqüentemente, nos permitiu a linguagem, permitiu sermos humanos. Entretanto, se análise não é terapia, e não é, pois não se pode curar a própria condição da cultura, a de estarmos submetidos a tal lei, sabemos, com Lacan, que uma análise pode ter valor terapêutico. Dizemos que se pode sair da análise sem o sofrimento com o qual a pessoa se queixava inicialmente, ao custo de uma mudança, saímos outros, diferentes.

1 Teodora de Barros é psicanalista, foi Analista Membro de Escola do Traço Freudiano Veredas Lacanianas Escola de Psicanálise, em Recife, PE, onde fez sua principal formação. Clinicou em Recife por 15 anos, e atualmente fixou residência em Rondonópolis, MT, onde atende à Av. Joaquim de Oliveira, 1769, fone 66-84403020. Coordena também grupo de estudos de Freud.

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