Já com relação aos atores políticos, podemos observar que, desde os anos 1920 – e mais fortemente com o advento da Era Vargas – quem capitaneia as grandes revoltas de massas no Brasil, para o bem ou para o mal, são os estratos médios da sociedade. Eram de classe média grande parte dos integrantes do movimento tenentista; da Revolução de 1930; das fileiras dos movimentos políticos personificados na AIB (integralismo) e na ANL (socialismo); de lideranças de rua do getulismo (PTB mais, PSD menos) e do anti-getulismo (UDN); do apoio e do rechaço ao golpe e à ditadura militar e, finalmente, do movimento pela redemocratização (em especial o movimento pelas Diretas) e pela consolidação da Nova República.
Esse protagonismo da classe média na vida política brasileira foi novamente repetido nos movimentos, comprovado por dados estatísticos publicados pelos grandes institutos de pesquisa do país como Ibope e Datafolha. A razão de sua revolta é apontada por alguns como certo “esquecimento” do PT, enquanto governo, de políticas ou reformas que acenem para este setor, o qual já constituiu outrora a base eleitoral do próprio Partido dos Trabalhadores.
Outros apontam a inabilidade do novo “representante da classe média”, o PSDB, de se afirmar enquanto partido com bandeiras voltadas a este estrato da população, preocupado que está em rechaçar a pecha de “elitista” que lhe foi atribuída pelos adversários. Por fim, há os que apontam uma certa orfandade diante da inexistência de partidos de direita no espectro político brasileiro, os quais coadunariam com o pensamento conservador desta parcela do povo brasileiro.
O fato é que esta classe hoje permanece sendo o principal ator – sendo os ricos acomodados por sua riqueza e os pobres impedidos por sua pobreza de olharem para algumas questões – e encontra-se à deriva, ansiando por respostas às suas demandas, não encontrando outra alternativa, senão a de assumir uma postura de rechaço às instituições arcaicas e isoladas e exprimir suas demandas de forma audível, indo às ruas como já fizeram das outras vezes em que os canais formais estavam interrompidos.
A grande novidade vem da forma como estão fazendo isso em mobilizações sem liderança definida, convocadas via redes sociais virtuais, com pautas customizadas para cada grupo ou subgrupo de interesses e – diante de uma organização mínima – resvalando em momentos de extrema violência.
Essas manifestações, típicas de um século XXI ainda na tenra infância, são, por isso, incompreensíveis aos olhos da grande maioria dos analistas. Alguns poucos intelectuais – como Manuel Castells ou Fernando Henrique Cardoso – trazem alguma luz para o debate, mas ainda tateiam em um túnel marcado pela escuridão do futuro incerto. Ainda precisaremos de mais investigação e mais teorias para compreender o fenômeno por completo.
O principal a ser observado, conforme afirmamos no início do texto, é justamente o descolamento entre as três categorias de análise. Enquanto tivermos instituições moldadas pelo século XIX, atores políticos engajados e protagonistas típicos do século XX e, de agora em diante, mobilizações com contornos do século XXI, o resultado explosivo será tão óbvio quanto indesejável para a consolidação de uma plena democracia política e social de qualidade.
(*) Leandro Consentino é professor de Sociologia e Política e História Econômica no Insper (antigo IBMEC-SP), palestrante em cursos livres de política na ONG Oficina Municipal