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Rondonópolis
, 9 maio 2024
 
 

Casamento na avenida (III-III)

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Em frente àquelas quintas, e ao lado de Otacílio Fontoura, estava o “Bar do Dário”. Espaço destinado à diversão, nos animados bailes da “sociedade”: carnaval, festejo de final de ano, festa junina… Ali, sob a batuta do “Jazz Band”, a música embalava os corações apaixonados. Como uma extensão do salão de festas, ao lado, estava a Farmácia Santa Terezinha, onde Candinho e sua animada turma de jovens festeiros, programavam as músicas e os eventos futuros.
A marcha nupcial prosseguia – ao som de “La novia” (Antonio Prietto). O calor humano dos acompanhantes, a harmonia da música, associada à energia amorosa, que exalava da noiva, atuavam como um bálsamo, à esculpir um permanente sorriso na fisionomia do prometido. Seu Badie, estava feliz!
Antes da esquina da rua João Pessoa, o cortejo foi momentaneamente interrompido, por uma autoritária e nervosa galinha choca que, arrastando atrás de si, uma dúzia de pintinhos, ia catar as migalhas de pães e biscoitos deixados por descuidados fregueses, nas calçadas das padarias de Azim e de Anacleto. Ao lado estava a casa comercial de Zé Moreno, com seu antigo veículo utilitário, com a advertência no para-choques: “Sai galo!” Isso, em alusão a um galináceo que o comerciante atropelara, na estrada da Vila Operária.
Ao cruzar a rua João Pessoa, na esquina, estava a “Pensão Bonfim” – ou “Pensão de Bidé”. José Arcanjo Ribeiro, que, apesar da falta de um braço, não temia a luta, e tocava com garra, seu empreendimento ao lado de sua Donana. Um incidente proveniente de acerto de diárias, ocorrido na Pensão, na ausência de Bidé, incitou uma discussão entre Donana e alguns peões, que ali se hospedaram. No calor da discussão, a dona da pensão, nervosa, arrematou:
– Vanceis qué bebê, qué cumê, qué drumí, e nã qué pagá!
– Vanceis deixa di enrrolinha, qui Bidé nã tá!
Fez escola, Donana! Depois desse incidente, qualquer aglomeração de pessoas, onde ocorresse tumulto, sempre tinha algum engraçadinho bradando o refrão: “Deixa de enrrolinha, que Bidé nã tá.”
Logo adiante, Zé Estefânio, no seu jeito acelerado, na calçada de seu bar, abastecia os lampiões Petromax, que iluminariam mais uma longa noite de partidas de bilhar. Com a aproximação da comitiva, os jogadores, se postaram na calçada, apoiados nos instrumentos de trabalho. Diante do cenário, a orquestra, tocou “Ronda” (Paulo Vanzolin). Estefânio concorria com as mesas de bilhar do armênio, João Palaian, nos fundos da loja de João Tampinha – ao lado do Bar “Vai-ou-Racha”, do “Maninho”.
Voltando à rua João Pessoa, do outro lado da avenida, na esquina, ao lado da loja de tecidos do Oscarino, estava a casa do topógrafo inglês, Johnson. Curiosamente, a única a ostentar uma lareira, na tórrida Rondonópolis. A casa do inglês era uma ilha de cultura, na provinciana comunidade. Ali se discutiam os grandes acontecimentos da história, as novidades da cultura ocidental, as transformações do mundo, após as grandes guerras… Era freqüentada por notáveis, dentre eles, o francês Alfredo Marien, herói da Primeira Guerra Mundial, lecionara lógica, francês e matemática no Liceu Cuiabano; O advogado de origem franco-libanesa, Jesus Lange Adrien – o Cristo; o contador e professor, Wilson José de Barros; o contador e advogado prático, Alberto Saddi ….
Num determinado dia, um incidente marcou a rotina da casa de Johnson. O topógrafo recebeu a inesperada visita do Coronel Francisco de Paula Goulart. Destacando sua posição de homem importante, coronel Goulart, como era conhecido, sempre se apresentava de terno e gravata, levando à cabeça, um pequeno chapéu de feltro. O coronel era dono da Fazenda Velha, adquirida do Marechal Rondon. Político de prestígio no interior de São Paulo, ostentava o título de fundador da progressista Presidente Prudente, no oeste paulista, e como prefeito, também, administrara aquela cidade. Em volta da prancheta, Johnson, que havia medido as terras do Coronel, dialogava com este, prestando-lhe informações técnicas sobre a medição. Não convencido, o Coronel pedia-lhe mais explicações, provocando o descontentamento de Johnson, resultando daí, uma troca de acusações entre os contendores. Porém, a discussão acelerou, virando bate-boca, quando Johnson, acusou o Coronel de “Nhô Chico”.
“Nhô Chico”, na época da escravidão , era o apelido que se dava à senhor de escravo. Irritado, com o deboche, o velho Coronel, reclamou que, “pela sua posição de homem probo, não poderia bater boca com um desqualificado, sem origem definida, que viera se esconder nos confins de Mato Grosso! “. Na porta, já de saída, virou-se para os presentes, e asseverou:
– Saibam os senhores que, quando a Princesa Regente sancionou a lei que baniu o cativeiro do Império, eu contava com a tenra idade de dez anos. Portanto, jamais poderia ter sido senhor de escravos, como me acusa – apontando o indicador para Johnson, “este capadócio!”
Seguindo o cortejo, depois da casa do Delegado Francisquinho, estava a loja de seu Feliciano. Aquele era um lugar sossegado. O velho comerciante ficava encostado no balcão, vigiado por seu bichano de estimação, um gordo gato, que se espreguiçava à ronronar, em cima do rádio à pilhas, na prateleira – sintonizado na Rádio Inconfidência. Contam os irreverentes da época, que a loja de seu Feliciano era tão antiga, que ainda vendia sapatos Luiz XV.
Do outro lado da avenida, cruzando a rua Afonso Pena, na esquina, estava o Cine Meridional – desativado, e provocando a revolta da juventude de uma cidade sem cinema, sem luz elétrica e sem curso ginasial. O cinema ficava em frente à movimentada Pensão de Maria Tric-Tric.
Depois do cinema, chegava-se à Pensão Cuia – em frente ao antigo casarão dos Correios, administrada pelo português Joaquim Oliveira, com a esposa e os filhos. A Pensão Cuia era o ponto de parada dos ônibus e caminhões, que trafegavam nas rodovias federais. Naquela pensão, chegavam lotados de passageiros, o pequeno ônibus do Expresso Tupã, que vinha de Goiás, e uma jardineira – ônibus com carroceria, a saudosa “Baleia – balança, mas não cai!”, vinda de Campo Grande – no antigo Sul de Mato Grosso. A Pensão Cuia era considerada a “janela para o mundo”. Por ali desfilavam indumentárias, costumes e sons de dialetos de todo o Planeta.
Virando à direta, o cortejo alcançou a rua Poxoréo, passou em frente à casa do Juiz de Paz, José de Matos, e o casarão do português Domingos de Lima – topógrafo encarregado do traçado das ruas e avenidas da cidade. Traçado ampliado, posteriormente, pelos topógrafos Sinval Dueti Silva e José Francisco Pereira.
Já perto do local do casamento – o cartório do Escrivão Ozório Machado, na esquina da avenida Amazonas, e percebendo os músicos, a apreensão do noivo, ao sentir aproximar-se o momento mágico, de receber nos braços, a mulher amada, a orquestra tocou “Ansiedad” (sucesso latino americano, coroado na voz do americano Nat King Kole).
A cerimônia do casamento, teve início.
Fato curioso, ocorrera na vida daquele Escrivão. Eleito vereador do município de Poxoréo, pelo distrito de Rondonópolis, no entanto teve, Seu Ozório, a expedição de seu diploma interrompida, por um incidente gravíssimo. No ato formal da assinatura do diploma, o Juiz de Direito, Antonio de Lima, juntamente com seu auxiliar imediato, o Escrivão Frutuoso Brandão, tiveram suas vidas ceifadas pelas balas assassinas cuspidas das armas do banditismo político, que imperava na região dos garimpos.
Confirmando a vocação pacifista dos brasileiros, entre as testemunhas do casamento, ao lado do libanez Nain Charafedine, estava o israelita Manoel Gazali.
Às 18:00 horas do dia de 11 de abril 1958, finalizava o ato de celebração do casamento. Os noivos receberam os cumprimentos no local, ouvindo o tanger do sino da Igreja do Sagrado Coração, que convidava os fiéis para a última celebração religiosa do dia – a reza noturna. E a orquestra, finalizou com “Ave-Maria”, de Gounod.

(*) Valdemir Paes Landin é pioneiro de Rondonópolis que hoje reside em Chapada dos Guimãres – [email protected]

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