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, 11 maio 2024
 
 

Lelo Brega: De engraxate a juiz classista: a trajetória de um pioneiro

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Prosseguindo com nossa série de reportagens com pioneiros e pessoas importantes para a história da cidade, hoje o A TRIBUNA traz uma entrevista com o pioneiro Alminedes Ribeiro Nogueira, o popular Lelo Brega, uma pessoa bastante querida em Rondonópolis, tendo dado uma enorme contribuição para que o outrora pequeno vilarejo se tornasse na grande e próspera cidade que é hoje em dia.

Na entrevista, ele conta um pouco da sua trajetória pessoal, das origens da Sociedade Esportiva Vila Aurora, o famoso Tigrão da Vila [primeiro campeão do futebol profissional da história de Rondonópolis], que ajudou a fundar e outras passagens importantes da história local. Confira:


Lelo Brega: “Rondonópolis sempre cresceu com a força do povo” – Foto: Denilson Paredes

O agora aposentado Alminedes Ribeiro Nogueira, o popular Lelo Brega, hoje com 67 anos, casado, pai de uma filha e avô de quatro netos, nasceu no extinto distrito de Cassununga, município de Guiratinga e chegou em Rondonópolis com seus pais e seus seis irmãos no ano de 1960, aos nove anos de idade, vindo de Nortelândia, onde seu pai tocava uma pequena propriedade rural.

Goiano da cidade de Catalão, seu pai tinha decidido retornar para sua terra natal mas, como tinha um irmão trabalhando com garimpo, ele decidiu ficar mais alguns dias ajudando esse irmão a terminar com o trabalho iniciado, para que fosse junto de volta a Goiás.

“Como eles tinham vindo juntos, ainda rapazes de Goiás, meu pai não queria voltar para junto da família sem o meu tio. Ele colocou a nossa mudança num caminhão e resolveu nos mandar para Rondonópolis, onde morava minha avó, para esperarmos por ele e meu tio enquanto terminavam a frente do garimpo. Ele disse que ficaria lá por mais uma semana e nós viemos para a casa da minha vó, mas logo chegou a notícia de que meu pai tinha pegado malária e, como ele tomou remédio em excesso, acabou falecendo por lá”, contou o pioneiro.

Com isso, ele, a mãe e irmãos decidiram ficar por aqui mesmo e, depois de vender os bens da família em Nortelândia, compraram uma casa em Rondonópolis, que ficava na Rua General Falconieri, na Vila Aurora, próximo da Rua Fernando Correa da Costa e do Ribeirão Arareau. “Nessa época, ainda não existia a ponte ali. Só tinha a ponte da Vila Jardim. A Vila Aurora só tinha casas numa quadra, que era essa onde morávamos. O resto tudo era mata. A ponte que tinha era de madeira e ficava na Rua Arnaldo Estevão, só que não passava carro e um tempo depois essa ponte rodou com as águas da chuva”, rememorou.

Nessa foto, o pioneiro Lelo Brega aparece junto do antigo time de veteranos do Vila Aurora, clube que foi um dos fundadores, nos idos de 1964 – Foto: Arquivo Pessoal

Filho de família pobre, Lelo Brega se lembra que teve que começar a trabalhar desde seus primeiros tempos por aqui e fez de tudo um pouco: foi engraxate, carregador de malas na rodoviária e outras tarefas do tipo. “Cada um teve que se virar. Quem tinha idade foi trabalhar, quem não tinha minha mãe teve que sustentar, trabalhando, lavando roupa para fora. Como não tinha ponte, eu usava uma canoa para atravessar as pessoas e assim fomos indo. Todo serviço que aparecia eu fazia. Pescava para vender os peixes. Eu nunca fiquei sem trabalhar e sem estudar também. Com o tempo, comecei a trabalhar como servente de pedreiro e nas férias da escola eu ia trabalhar na roça, na colheita de algodão, arroz ou feijão. Eu não tive opção de escolher vir para cá, mas eu morava perto de um rio com água limpa e guri sempre gosta de rio, então eu gostava daqui”, declarou.

Ele se lembra que por um bom tempo trabalhou como ajudante de servente de pedreiro, com a difícil missão de buscar água para as obras. “Nessa época, não tinha água encanada, então eu tinha que chegar mais cedo na obra, para que quando o servente chegasse, já tivesse água para ele trabalhar. A água era retirada de um poço, puxada no sarilho (espécie de manivela usada para tirar a água dos poços) e cortava muito o ombro, pois eu tinha que carregar os baldes no ombro. Logo passei para servente de pedreiro e começaram a chegar os ‘turcos’, como o pessoal chamava os sírios e libaneses que vieram para cá montar lojas de tecidos e confecções”, lembrou Lelo.

Um belo dia, enquanto carpia a frente da casa de um desses lojistas, foi convidado para trabalhar na loja, a Casas Paulista, do também pioneiro Habib Dib, que ficava na Avenida Marechal Rondon, esquina com a Rua Otávio Pitaluga. “Eles viram meu trabalho, que eu chegava cedo e me chamaram. Eu tinha 15 anos e foi quando tirei a minha primeira Carteira de Trabalho. Ali eu fazia de tudo: vendia, arrumava prateleiras, limpava a loja, e eu trabalhei lá até ir para Cuiabá servir o Exército”, contou o pioneiro.

Nessa foto, o pioneiro aparece ao lado do amigo inseparável Sebastião Buquigaré, do ex-presidente da CBF, Ricardo Teixeira e de Carlos Orione, ex-presidente da Federação Mato-grossense de Futebol – Foto: Arquivo Pessoal

Quando retornou do Exército, continuou trabalhando mais um tempo em lojas, ao mesmo tempo que estudava no antigo Colégio Estadual, como se chamava a Escola Emanuel Pinheiro na época. “Quando terminei lá, eu fui estudar Contabilidade no EEMOP e quando terminei fiquei por aqui mesmo, pois aqui não tinha como continuar os estudos e eu não tinha condições de ir estudar fora. Mas logo me apareceu uma oportunidade, pois meu cunhado tinha um escritório de contabilidade, que estava crescendo e ele me chamou para trabalhar com ele. Lá eu comecei de baixo, como ‘badeco’ mesmo, limpando, organizando e aprendendo a trabalhar, pois na escola a gente aprendia na teoria, mas lá a gente aprendia a fazer o serviço na prática. Trabalhei ali bastante tempo, mas depois pedi para sair e montei meu próprio escritório”.

Foto de seu casamento com dona Mariângela Tolosa Nogueira, com quem se casou no ano de 1978, na Igreja Matriz

Era o ano de 1975 quando o jovem Alminedes montou seu pequeno escritório de contabilidade, o Escritório do Lelo, que ficava numa pequena sala em um prédio na frente da Praça dos Carreiros, de propriedade do saudoso João Baiano, pai do senador Wellington Fagundes. “Nessa época, como eu tinha um consórcio de um carro, troquei numa lojinha que minha mulher foi tocar. Era a Bijouteria do Lelo e como eu era mais entendido nesse negócio de lojas, eu ajudava ela a tocar e apareceu uma oportunidade de ser presidente do Sindicato do Comércio, onde eu consegui, com a graça de Deus e as amizades que eu tinha em Cuiabá, fazer bastante coisa boa para Rondonópolis, como trazer o Sesc, o Senac, o Sebrae, a Justiça do Trabalho, onde acabei sendo convidado para trabalhar. Havia uma junta formada por um Juiz do Trabalho e dois representantes dos sindicatos. Éramos juízes classistas”, continuou o pioneiro.

PARTICIPAÇÃO NA POLÍTICA

Algum tempo depois, vendeu seu escritório e, a convite do ex-vereador Milton Gomes da Costa, o Miltão, foi trabalhar na Câmara Municipal, como secretário de Administração, na época que o ex-vereador Ananias Martins (já falecido) era presidente da Casa. Depois, foi chefe de gabinete do próprio Miltão, de onde saiu para assumir a Secretaria de Esportes, na gestão do ex-prefeito Alberto de Carvalho, de quem era muito amigo. “Não tinha essa secretaria e ele só iria criar se eu aceitasse o cargo. Eu topei e tinha comigo que tinha que fazer alguma coisa lá, pois não tinha dinheiro. Mas eu consegui gramar três campos de futebol com ajuda de amigos, da própria comunidade e até com dinheiro do próprio bolso. Mas o grande feito que conseguimos nessa época foi o novo estádio. O Atacadão tinha projeto de vir para cá e precisava de um terreno para se instalar. O dono do Atacadão falou que não queria nada da prefeitura, mas que precisava de um espaço para comprar ou para trocar por alguma coisa para a cidade. Como ele tinha visto o nosso estádio, que estava acabado na época, ele pediu para avaliar quanto valia aquela área e disse que construiria outro no mesmo valor ou até 30% acima desse valor e com isso nós ganhamos o nosso estádio como está até hoje”, informou.

No auge de suas atividades, Lelo foi acometido por um Acidente Vascular Cerebral (AVC), no ano de 2001, o que apressou a sua aposentadoria, já que ficou com o lado direito do corpo sem movimentos. Depois de um tempo se tratando e de muita fisioterapia, ele recuperou parte dos movimentos, mas não pôde mais retomar suas atividades de antes. “Hoje eu vivo aqui na minha casinha, gosto muito de pescar e nas minhas horas de folga, e da mulher, nós vamos para minha chácara, onde tenho um tanque de criação de peixes. Levo minha vida de aposentado tranquilo”.

LELO E O TIGRÃO DA VILA

Lelo Brega também foi um dos fundadores da Sociedade Esportiva Vila Aurora, do qual foi presidente e diretor de futebol por muitos anos. No início, o clube não era mais que um grupo de amigos que se reunia para jogar futebol. “O Tigrão foi formado por uma turminha ali na vizinhança de onde morávamos, na primeira quadra da Vila Aurora depois da ponte da Fernando Correa. Na época, não tinha gente suficiente para dividir os times por idade, então tinha guri de 13 anos e de 30 anos, tudo misturado. Aí nós fizemos um campinho ali na General Falconieri, ganhamos as traves de madeira de uma serraria e ali era o Vila Aurora. Era só um timinho no começo e lembro bem que nós o fundamos em 5 de maio de 1964. Quando começaram a patrolar as ruas, arrumar tudo por ali e conforme ia enchendo de casas, não houve mais como ficarmos ali. Aí o seu Willian (Moraes) nos ofereceu uma várzea ali onde hoje é a feira (da Vila Aurora), que alagava nas águas e que nas secas dava um campo até bom. Mas nós fizemos uma vala para drenar a água dali para o rio e deu para ficarmos ali um bom tempo”, continuou.

Mas o progresso logo chegou e como a turma nunca se preocupou em documentar a área doada, eles foram obrigados a se mudarem novamente, dessa vez para uma área no bairro Coopharondon, em 1969, de onde tiveram que sair novamente assim que começou a construção do conjunto habitacional. O Vila ficou sem campo até que conseguiram a doação de uma área da prefeitura que fica nos fundos do Cemitério da Vila Aurora, durante a administração do cacique emedebista Carlos Bezerra.

Com o passar dos anos, o Vila Aurora cresceu, já contando com categorias de base, o time profissional e o de veteranos, o que tornou o espaço pequeno para a equipe, o que levou a sua diretoria a negociar com a Liga Esportiva de Rondonópolis (LER) a troca dessa área por outra maior, na região da Sagrada Família, onde tiveram que começar do zero, pois o local era ermo e ainda tomado pelo mato nativo. “Fizemos cotas, bingos e conseguimos construir alguns campos, mas depois de seis anos que tive meu problema de saúde, precisei deixar o Vila de lado, pois não estava fazendo bem para a minha saúde. Eu encerrei com o futebol há uns oito a nove anos e desde então nunca mais fui atrás”, contou.

SOBRE A CIDADE QUE O ADOTOU

Personagem histórico da cidade, Lelo Brega tem críticas às administrações municipais, mas declara seu amor pela cidade. “Rondonópolis sempre cresceu com a força do povo. Poucos políticos ajudaram nisso. Mas nunca tive vontade de sair daqui e dificilmente iria me acostumar em outro lugar. Antes de me casar, tinha vontade de me mudar para o Nortão, mas o tempo foi passando e perdi a vontade. Eu gosto muito daqui, 90% da minha vida foi em Rondonópolis, construí muitas amizades aqui, inclusive com o Samuel Logrado de Souza (diretor do A TRIBUNA), que jogou comigo no Batidinha, onde foi um zagueiro bom e firme na marcação. É aqui onde estão os conhecidos e amigos e vivo feliz aqui com minha família”, concluiu.

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1 COMENTÁRIO

  1. Emocionei-me ao ler a entrevista do tio Lelo! Sou sobrinha dele, filha do seu irmão já falecido Arquimedes Nogueira Ribeiro. Moro há muitos anos em Goiânia, onde tambem construí minha vida e fiz da cidade meu novo lar. Porém, fiquei feliz em ler a história de vida do meu tio. Abraços

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