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A maldição da aula divertida

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(*) Daniel Medeiros

A Educação sobrecarregou-se, nas últimas décadas, com uma obrigação que vem sufocando sua capacidade de gerar aprendizado consistente e de transmitir a herança cultural para as futuras gerações: a obrigação de ser divertida.

Uma das justificativas que buscam explicar o insucesso da escola nos dias de hoje é o fato de as crianças e os jovens não gostarem das aulas, de as explicações serem “chatas” e não guardarem relação com suas vidas cotidianas. Por isso, os jovens não estudam e não aprendem. No Ensino Médio, esse fenômeno já ganhou ares de crise, com uma população de mais de dez milhões de adolescentes que nem estudam e nem trabalham. É preciso tornar a escola uma coisa mais atrativa para eles, dizem. E por atrativa leem “divertida”.

No entanto, há uma contradição que precisa ser encarada nessa equação que insiste em colocar necessariamente a ludicidade, diversão e alegria no processo de aprendizado. Nem tudo o que precisamos aprender para compreender o mundo é divertido ou pode ser aprendido em meio a jogos lúdicos ou brincadeiras dinâmicas, como se fossem games ou gincanas. Desde sempre, como afirmou Aristóteles, os seres humanos são dotados de uma vontade irresistível de aprender. Isto é, a felicidade do aprendizado – que o velho estagirita chamava de eudaimonia – estava no fim e não no meio do processo.

No meio, estava o hábito, estava a busca persistente e equilibrada – sem excessos, nem faltas – desse algo que é a expansão plena da nossa capacidade de pensar o mundo (e a gente mesmo), por meio da observação, da análise, da sistematização, da conceituação – e daí, de volta ao mundo, para decifrar a sua complexidade. Esse é o método que, somado à exigência da experimentação, introduzida mais tarde por Galileu, compôs o receituário básico da Ciência, sem a qual estaríamos sabe-se lá aonde.

Nesse ponto reside o problema: as escolas são os locais de formação de pessoas que assumirão os postos dos que se vão e que darão continuidade a esse esforço milenar de transformação/conservação do mundo. E, para isso, precisam aprender como a coisa funciona. E isso exige um estudo que não é, por essência, nem lúdico, nem divertido.

Além disso, a escola é o simulacro do mundo público, aquele espaço no qual não estamos ligados por laços familiares. As regras para o mundo público são distintas das regras de funcionamento da família. Uma criança precisa aprender, desde cedo, que não é o centro exclusivo da atenção dos adultos e que sua vontade é uma entre tantas e que ela deve disputar, usando as ferramentas disponíveis e autorizadas, para que possa ter chance de usufruir o que deseja. Esse agon – palavra grega para disputa sem violência – é a base da Política, outra invenção que teve em Aristóteles um mestre e que implica em saber conviver em um espaço de iguais, agindo para se destacar e para influenciar a coletividade. Pensa que isso é uma brincadeira? Não, não é.

Pensar e agir são atividades distintas que exigem comportamentos distintos. Pensar não se dá no campo da ação. E a Ação é mais eficaz e proveitosa se partir de alguém que dedicou bastante tempo para cultivar o espírito por meio do pensamento. Ainda hoje, quando pensamos, paramos. Ainda hoje, quando agimos sem pensar, arrependemo-nos. Essa é a lógica do aprendizado e do exercício cívico. Em ambos, a ideia de diversão, de “achar legal”, de gostar, não é relevante. Mas hoje, a escola vem sendo reduzida a isso. O que podemos esperar como consequência?

Essa breve análise não visa afirmar uma escola triste, mas uma escola com propósitos maiores que o de satisfazer o interesse imediato dos alunos. Não podemos cair na discussão binária entre escola triste e escola alegre. Devemos, isso, sim, reafirmar nossa posição de adultos que sabem o que devem fazer para colaborar para a formação de uma geração mais produtiva para o mundo e não ensimesmada em suas vontades e prazeres imediatos. Até porque os jovens não vão achar ruim. Há um certo desespero nas brincadeiras da escola. Há um certo apelo surdo por apoio e escuta. Basta que nós, adultos, sejamos capazes de perceber enquanto ainda há tempo. E fazer o que nos cabe fazer.

(*) Daniel Medeiros é doutor em Educação Histórica e professor no Curso e Colégio Positivo – @profdanielmedeiros

 

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