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Influenciei sem saber

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03/09/2019 – Nº 550 – Ano 13

 

(*) Eleri Hamer

Todos nós influenciamos outras pessoas e naturalmente também somos influenciados, principalmente por aqueles que estão mais próximos de nós. Mas na prática, não tomamos isso como regra e por consequência acabamos não dando a devida atenção às nossas atitudes, opiniões e comportamentos.

Desse modo, não temos a menor dimensão de quando e muito menos quanto somos capazes de influenciar as pessoas que nos cercam. Tanto para o bem quanto para o mal.

Por consequência, com o tempo, quando ascendemos na hierarquia das influências, seja como gestor, professor, amigo, pai, mãe, irmão, marido ou mulher, devemos ter muita responsabilidade em qualquer aspecto objetivo que comunicamos ou exprimimos.

Pessoalmente já fui notificado diversas vezes por algum leitor, ex-aluno ou participante de um determinado evento, sobre alguma opinião eventualmente expressada ou uma certa tese que teria defendido, e por isso ele (a) havia tomado uma consequente decisão. Uma responsabilidade enorme que muitas vezes temo em assumir.

Lembro-me em particular de um caso, ainda na faculdade, em que influenciei decisiva e involuntariamente a vida de uma pessoa. Só fui descobrir anos mais tarde a relevância de um pequeno gesto.

Eu era calouro na faculdade, vindo do interior onde morava, distante 600 km. E como aluno carente, não possuía condições financeiras para me sustentar, concorri para ingressar na casa do estudante, mantido com recursos públicos. Felizmente, logo na primeira tentativa logrei êxito.

O “apartamento” consistia num quarto de aproximadamente 12 metros quadrados com banheiro, e era moradia de 4 estudantes. Também havia uma sala de estudo por andar. Eram 5 andares sem elevador. Café da manhã, almoço e janta eram no bandejão servido no térreo, sem desembolso. Um luxo para quem não teria condições de pagar moradia e muito menos alimentação por 4 ou 5 anos.

Logo, era o local desejado de todo estudante carente que passava no vestibular. A seleção era muito concorrida. Quem não conseguia vaga, se arrumava como podia, muitas vezes no campus que ficava a 20 km, mas muitos desistiam e voltavam para casa.

Faziam apenas alguns dias que as aulas haviam começado e o processo seletivo de ingresso na casa estava em curso. Possuía alguns requisitos, mas era flexível. No nosso quarto havia uma vaga. Uma das fases era uma entrevista com os moradores, já que morar num ambiente daqueles requeria ao menos algum nível de empatia e entendimento entre nós. Tínhamos preferência por alguém que fosse relativamente estudioso, sem mimimi e que ao final de semana fosse para casa. Liberando espaço. Por isso deveria ser de alguma cidade próxima.

Num determinado dia meu colega que era veterano de último ano me comunicou que tinha um candidato. Já havia conversado com ele. Havia gostado do perfil. Era humilde, mas também vinha de longe. Logo não iria embora nos finais de semana. Indicou que deveria falar comigo à tardinha quando eu voltasse do campus. Por ele estava aprovado, mas se eu não entendesse assim, passaríamos para outro. A decisão ficara nas minhas mãos.

Ao final da tarde voltei do campus e fui botar a conversa em dia com alguns colegas, noutro andar. Eis que bate a porta um menino pedindo por mim. Era o “bixo” candidato pensei. Todos eram veteranos e começaram a fazer perguntas para ele, sobre o que fazia, porque queria falar comigo e intimidações verbais diversas. Ele, nervoso, se atrapalhou e respondeu algo que acharam engraçado. Virou motivo de chacota mesmo antes de entrar no ambiente.

Quando vi aquilo, sem me levantar da bicama (havia pouco espaço para cadeiras no diminuto quarto), interpelei meus amigos verbalmente: deixa ele em paz e senta aqui ao meu lado para conversarmos. E me identifiquei. Conversamos 5 minutos. Na sua cidade era filho da merendeira da escola e não tinha muitas opções. Tinha passado em filosofia, mas queria direito. Aprovei ele e pedi para que pegasse suas coisas e se instalasse no quarto. Se foi feliz da vida.

Ficamos muito amigos e convivemos por um longo período. Depois me formei, e voltei para minha região. Nos distanciamos. Soube que havia se formado e casado. Pouco conversamos, embora mantivéssemos algum raro contato. Não haviam redes sociais na época.

Aproximadamente 5 anos depois, recebi um telefonema dele. Foi uma festa, como sempre era nossa conversa. Para minha surpresa, disse que seria pai e que estava me ligando para consultar e me convidar para ser padrinho do seu filho.

Aceitei com alegria, imediatamente, mas comentei que deveria haver outras pessoas próximas a ele e sua família naquela fase da sua vida. Por que eu? Me respondeu que sim, mas que havia um motivo especial para me convidar e que somente revelaria quando do batizado.

Viajamos para o evento e foi a primeira coisa que quis saber. Para minha surpresa ele me perguntou se lembrava de como nos conhecemos. Relembrou em detalhes aquela situação na casa do estudante e ele querendo morar lá.

Afiançou que eu tinha sido uma das únicas pessoas que havia dado atenção para ele exatamente no momento em que mais precisava. Lembrava o “deixa ele em paz e senta aqui ao meu lado para conversarmos” com o qual eu havia afastado os meus amigos que estavam lhe sacaneando.

Por fim, me confidenciou de que aquele era o último dia que teria ficado na cidade. As malas estavam prontas e de madrugada, se eu não tivesse dado aquela oportunidade para ele ingressar na casa, iria para a rodovia tentar uma carona e voltar para casa, onde as perspectivas não eram das melhores. O pouco recurso que havia trazido já tinha acabado. Me emociono até hoje em saber disso.

Assim, se formou em direito, atua na profissão, casou, são bem-sucedidos, ambos profissionais de respeito. Têm dois filhos. Em boa medida graças a um gesto impensado, espontâneo, mas positivo. Influenciei sem saber. Vivo feliz com isso.

Até a próxima.

(*) Eleri Hamer escreve esta coluna às terças-feiras. É professor, workshopper e palestrante – [email protected] – Originalmente publicado no Jornal A Tribuna – www.atribunamt.com.br

 

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1 COMENTÁRIO

  1. Professor Eleri, Obrigado por compartilhar conosco essa história maravilhosa. Com certeza, as pessoas deveriam se conscientizar o tanto que influenciam as pessoas ao seu redor, positivamente ou negativamente. Que possamos ser sempre bençãos na vida das pessoas. Sou admiradora do seu trabalho professor!!!

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