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Rondonópolis em tempo de curso de medicina

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Há anos a sociedade rondonopolitana cobra a instalação da Universidade Federal de Rondonópolis, embora, até o momento, não tenha obtido êxito nessa tentativa de emancipação do Campus Universitário de Rondonópolis (CUR.) na sonhada e citada Universidade Federal de Rondonópolis (UFR.). Ainda assim e por meio do trabalho da sociedade organizada, dos esforços de nossos parlamentares e do empenho dos membros da UFMT local, nossa cidade deu um passo significativo ao obter, junto ao MEC, uma autorização para a abertura de uma faculdade de medicina, que vai se juntar aos outros Cursos do CUR e que pode proporcionar a independência deste Campus, como aconteceu no passado, por exemplo, em Ribeirão Preto.
Mas após decretada a implantação deste curso, tenho notado uma relativa despreocupação, beirando mesmo a falta de interesse em relação a este tema, o que me incomoda pois, com a falta de debate estamos sujeitos a ver, empurrado goela abaixo, um engodo, um curso cuja concepção não venha de encontro à expectativa da sociedade, se ela existe. Muitas são as razões que, imagino, podem justificar esta atitude:
– Os professores de universidades federais estão em greve por salários, condições de trabalho e reestruturação da carreira docente, tornando questionável se esse seria o momento de começar um novo curso;
– A saúde local anda deficiente e combalida e não vem dando sinais de melhora ou oferecendo motivos para otimismo;
– Existem ainda várias questões paralelas e importantes, que começam com o julgamento do mensalão e passam por Copa do Mundo, eleições municipais, leis como as que regulamentam a pesca e as cotas para vagas em universidades federais, que acabam por tomar tempo, espaço e foco, tanto nas rodas de conversa, cada vez mais escassas, como na mídia em geral.
Some-se a isso o fenômeno das redes sociais, que por sua multiplicidade, acabam dispersando os locais onde acontecem as discussões, mas sem integrá-las, de certo modo, desconjuntando os assuntos. Observo nas redes sociais uma tendência a “recortar e colar”, algo estético e bem apresentado que, nem sempre reflete fidedignamente a opinião do sujeito que postou ou compartilhou e que, por comodismo talvez, não escreve, se omite, não expõe as próprias ideias. Esse acomodamento vai, como de costume, se apresentar no futuro, na forma de produto insatisfatório e possivelmente decepcionante.
O meu propósito aqui é lançar o debate envolvendo o cidadão neste momento especial que estamos atravessando, com a iminência da criação de um curso de medicina na cidade, mas com vários outros fatos relevantes simultâneos como a consolidação de um polo industrial, cada vez mais amplo e variado, com a chegada dos trilhos e terminais em nossa região, com a possibilidade de implantação de um porto seco, ou as deficiências de acesso terrestre (rodoviário) e aéreo à nossa região e ao Estado em geral. Para tanto apresento alguns tópicos para reflexão:
– Estamos dotados de uma estrutura suficiente para o início do Curso de Medicina? Foram previstas obras no Campus, se sim, elas estão em acordo com um cronograma?
– Por que aqui em Rondonópolis ninguém se apresenta como responsável pelo curso, ou pelo menos, como preposto dos coordenadores da implantação. Isso não convida a imaginar que a comunidade está sendo plenamente ignorada neste processo? Se der certo não vai faltar gente para receber os louros, mas caso contrário, cadê um/o responsável?
– Com a greve dos servidores federais, perdemos muito tempo, isso vai impactar no início do Curso? Como estão os preparativos para aquisição de material para o início do curso? Quem virá ministrar as aulas? O quadro de professores e técnicos necessários está completo?
– E após a conclusão do ciclo básico? Estaremos preparados para a complexidade de um Curso de Medicina? Os hospitais da região comportam o fluxo de alunos e professores? Basta ampliação da área física ou teremos que ampliar o corpo clínico e a aparelhagem?
– Que formato terá esse curso? Voltado para formar profissionais que participem do contexto mundial das práticas e pesquisas médicas, ou mera mão de obra barata para tocar o serviço público, sem obedecer padrões atuais de qualidade? Aqui abro um parênteses, lembrando que há pouco tempo, debatia-se sobre se a melhor opção era aumentar o número de vagas em nossas instituições de ensino, ou importar médicos de outros países (Cuba/Bolívia, onde a grade curricular difere bastante da brasileira, com ênfase na medicina rotulada de social, mas que não passa de propaganda de governos assistencialistas e que vem falindo em todo o mundo, inclusive aqui no Brasil, em estados mais ricos, principalmente em São Paulo, tem sido comum o debate entre os médicos que trabalham em unidades de saúde mal estruturadas, sobre trabalhar em condições precárias ou simplesmente tirar o dia de folga!)
Se essa fosse a forma escolhida, então teríamos profissionais que se sujeitassem ao que o governo pretende pagar ao profissional que atende a rede pública, como já é marca deste governo sem critério para avaliar qualificação dos profissionais.
Qual é a opinião do leitor? Então aceitaríamos uma instituição, sem verificar a qualidade do produto que ela entregaria?
A esses tópicos, acrescento algumas ponderações valendo-me, agora, da dualidade cidadão/profissional de saúde:
– Quando o curso for iniciado, de onde virão os professores? Por que não tem havido debate em torno deste importante detalhe? Temos condição de oferecer atrativos a profissionais mais capacitados do ponto de vista de qualificação, com mestrado e doutorados e incentivá-los a continuar ou melhorar sua produção acadêmica? Porque eles ficariam aqui e não em centros maiores (estas questões tiveram que ser respondidas pelos administradores de faculdades como Ribeirão Preto, Unicamp, Marília, São José do Rio Preto, Santos, Dourados, entre outras).
Os profissionais que já estão em Rondonópolis terão incentivo para investir no aprimoramento pessoal que é caro, demanda tempo e muito esforço, a fim de poderem futuramente interagir ou até colaborar com as atividades acadêmicas e científicas?
A universidade, se receber esses 40 alunos para o primeiro ano de medicina, terá 20 alunos aprovados na combinação vestibular/Enem e mais vinte alunos, necessariamente oriundos de escolas públicas, e terá que fornecer recursos para que os alunos, através dos próprios esforços, tornem-se uma turma equilibrada e capaz de ser aprovada tanto nas provas de avaliação das instituições de ensino, quanto nas (cada dia mais exigentes) Sociedades de cada especialidade médica, sem cujos títulos, os convênios mais sérios e as melhores oportunidades de empregos não permitem o ingresso do jovem médico?
Não vai bastar inundar o país com indivíduos rotulados de médicos e entregar à população profissionais genéricos. Não existe médico genérico e o simples título de médico, não torna a pessoa capaz de aplicar medicina, isso depende de muito e constante esforço, como todos sabem e como todos desejam que seja, agora e sempre.
Vejam os amigos leitores que não estou julgando, muito menos tentando diminuir o entusiasmo de ninguém, a minha convicção é a da necessidade de melhores cursos e de melhor saúde para nossa região, porque além da dificuldade de acesso físico ao Mato Grosso, a primeira coisa que os executivos das empresas vão questionar, ao se instalar por aqui, é onde educar os filhos e onde, eventualmente, cuidar da saúde das suas famílias?
Então, em um tempo em que se vive uma transformação tão intensa quanto difícil de acompanhar, precisamos, por mais difícil que pareça, dedicar maior atenção a estes assuntos e discutir, ao mesmo tempo avaliando, o nosso papel neste processo e como fazer para transformar intenções em realidades.
Várias vezes me surpreendi pensando: “não sei se caso ou se compro uma bicicleta”, essa é mais uma delas, mas aproveito a ocasião para lembrar o presidente Franklin Delano Roosevelt: “SE NOS SENTARMOS AGORA, PODEMOS SER ATROPELADOS MAIS TARDE.”

(*) Maurício Raposo de Medeiros é médico, produtor rural e cidadão rondonopolitano

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  1. Parabéns pelo texto de uma lucidez fantástica! A mobilização em torno desta importante questão se faz necessária para o sucesso do curso. Não devemos nos ater a questões políticas apenas, com relação à implantação. É necessária uma análise técnica, estrutural e de recursos humanos. O médico Maurício coloca bem estas questões e convida com o brilhante texto a sociedade para o debate.

  2. Esse tipo de questionamento se faz necessário, pois é através dele que se elabora toda uma sequência de ações a serem tomadas, algo que até agora a Universidade e a sociedade são omissas. Ah, a luz no final do túnel foi acesa. Parabéns Dr. Maurício.

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