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, 19 maio 2024
 
 

Cultura importa a quem?

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Estamos iniciando o mês de junho. Nessa época, é tradição secular em todo o país comemorar as festas juninas, que trazem consigo costumes de pratos quentes, fogueira, quentão e muitas brincadeiras.
Esta é uma das festas populares mais importantes de todo Brasil, pois une, de Norte a Sul, as pessoas em comunidades (seja na rua, no bairro, na igreja, no assentamento, na fazenda ou na escola) para a organização de uma tradição onde quanto mais comida gostosa, quadrilha para dançar e lenha para queimar, mais alegria.
E como em qualquer cultura o que fortalece é a repetição dos mesmos gestos, dos mesmos hábitos (porque essa repetição é que dá a noção de identidade a um povo), espera-se que a festa junina desse ano tenha tudo o que a tradição estabelece.
Entretanto, para o meu espanto, minha filha de oito anos está ensaiando para a festa junina na escola uma música que diz: alô galera, bate a mão e bate o pé. E mais, a professora pediu que ela providencie uma calça jeans, camiseta branca e bota para a fantasia junina.
E qual é essa fantasia? A resposta é óbvia, a fantasia da garota da festa de peão e de rodeio. Rodeio, música country e danças ensaiadas que imitam o trote de um cavalo têm sua importância, em especial em uma região onde o agronegócio é vital para o desenvolvimento econômico e social. Mas a cultura tradicional popular brasileira precisa mesmo ser substituída pelo jeito de cantar e dançar dos Estados Unidos?
Acredito que não. Não só acho uma troca infeliz e perversa, como me constranjo em ver que as pessoas vão inocentemente cedendo e passando a achar normal que o caipira vire caubói, que o menino Jesus vire Papai Noel, que a renovação da Páscoa vire coelhinho de chocolate.
Sou professor da Universidade Pública Brasileira e acredito na educação da nossa gente, acredito na força da nossa cultura popular e muito me entristeço em ver educadores se formando e fazendo formar cidadãos que trocam a tradição pela moda, sem perceber os interesses de dominação cultural por trás das normalidades atuais.
Aos colegas educadores fica a pergunta: o que é mais importante, ensinar aos nossos alunos a nossa tradição, a nossa história, a nossa identidade, ou ser legal e saber dançar no ritmo do momento?
Aos pais o alerta: precisamos ter clareza de que tipo de educação queremos que nossos filhos recebam. Pois é bem provável que essa ideia mirabolante de transformar festa junina em festa de peão não esteja acontecendo apenas na escola onde minha filha estuda. Ao contrário, sei que é um fenômeno, infelizmente, quase geral. E não podemos confundir o normal (ou seja, o que é imposto pela norma), com o natural. O natural é construído devagarinho, pelas relações de trabalho e cultura que temos com a nossa terra, nossas crenças e costumes.
Se o normal é comer cachorro quente com cerveja gelada nas barraquinhas nesse mês, prefiro ficar em casa e lembrar dos meus tempos de menino em que a gente comia milho e bebia quentão, porque se o normal é o errado, prefiro o anormal que faça o certo, e o bem certo.

(*) Agameton Ramsés Justino – Professor de Departamento de Letras da UFMT/Campus Rondonópolis –  Email: [email protected]

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  1. Parabéns ao colega professor Agameton Ramsés Justino pela excelente exposição de suas ideias que, com certeza, coaduna com as ideias de milhares de outras pessoas que pensam desta forma, mas não se manifestam. Infelizmente os “educadores” e os pais, de uma maneira geral, preferem “agradar” ao sistema capitalista de produção sem questionar nada. E, ao fazerem isto, “aceitam” tudo o que a “moda atual” indica como correto e “charmoso”. O tradicional se torna “véio” diante de uma juventude cada vez mais superficial. Essa relação superficial engendra-se em quase todos os ambientes em que vivemos atualmente. Quando me graduei aí mesmo na UFMT em 15 de maio de 1992, no baile de formatura a música que ouvimos era clássica e outras com qualidade invejável. Em 2005 fui a um baile de formatura aqui na UFT e, por incrível que pareça, tocou duas valsas e a terceira “música” já era eletrônica… Olha só onde chagamos com a “cultura” brasileira…
    Se nós educadores não nos preocuparmos com os rumos que nossa educação está tomando, com certeza os políticos corruptos, os meios de comunicação (sem compromisso com a tranformação da nossa realidade social, política, cultural e ambiental), enfim, a ideologia dominante, só têm a “agradecer” a este sistema educacional falido, onde professores apenas “reproduzem” o que eles querem sem questionamento nenhum.
    Abraços a todos,
    Aires José Pereira é escritor com 11 livros publicados, professor da UFT, coautor do hino de Rondonópolis, membro da Academia de Letras de Araguaína e Norte Tocantinense.

  2. Uma festa junina, cuja fantasia é calça Jeans, camiseta branca e bota, é assustador e difícil de imaginar. Não haverá ninguém com o clássico chapéu de palha. Em 1997, participei de uma festa junina em Cuiabá que houve a substituição da tradição popular pela festa Country com danças ensaiadas que imitam o trote de um cavalo. Eu pensava que fosse algo peculiar da minha antiga escola, mas parece que é uma tendência e infelizmente, muitos a aceitam.

  3. Senhor Agameton publicações como essa deveriam acontecer com mais frequência, de modo a alertar para o retrocesso que estamos vivenciando, na maioria dos casos somente para benefciar financeiramente algumas pessoas. Isso acontece de modo mais visível na música, onde verdadeiro lixo é jogado aos nossos jovens, onde a maioria vai para o abatedouro alegremente. E esse é apenas um exemplo, pois o senhor abordou de maneira soberba sobre a cultura, aliás, estamos em processo de descultura “curtura”, infelizmente.

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