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À procura de certa Cuiabá

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Já disse e redigo: Cuiabá não é para mim apenas o Centro Geodésico da América do Sul, mas também e principalmente um dos pontos cardeais da minha geografia sentimental. E desde o século passado, para não dizer do milênio idem, ela ocupa lugar de destaque no catálogo das cidades do meu bem-querer. A conheci – e lá se vão quase cinqüenta janeiros – ainda no vigor da minha segunda juventude. Foi, de minha parte, amor à primeira vista. Não aquela chama crepitante, mas fugaz, que nasce de um roçar de peles, mas aquele amor sempre tranqüilo, sem dúvidas e medos, feito só de ternura e afeto e que permanece imutável porque eterno como os diamantes.

A memória, já claudicante para o hoje, mas sutil e ágil para as coisas do pretérito, sempre me traz imagens e acontecidos da Cuiabá dos anos 60, capital do ainda uno vasto-mundo-mato grosso. Por isso, volto sempre àquela Cidade Verde com seu ar provinciano e modos de matrona recatada (que também sabia ser coquete) e me reencontro na austeridade arquitetônica de seu casario, na simplicidade de seus costumes e na beleza de suas tradições, cativado pela então espontânea hospitalidade de seu povo bom e fácil de amar e ser amado. E que para tanto, bastava fosse dedilhada nas cordas vivas da viola de cocho de sua alma ingênua e sentimental, a melodia da canção fraternal dos sotaques irmanados.

Nas minhas viagens proustianas volto com frequência àquela Cuiabá e sou de novo o “pau rodado” que um dia se fez mato-grossense por opção e sentiu-se acolhido como filho adotivo de sua generosidade.

Em seu chão escrevivi alguns parágrafos desta minha saga inacabada, vi sonhos nascer e também acompanhei cortejos de esperanças mortas. Vivi o primeiro dos chamados anos de chumbo da quartelada de abril de 64, que levou o Brasil ao mais longo período ditatorial de sua história; que assustou a até então tranqüila Cidade Verde, acostumada tão-somente às “briguinhas” domésticas entre a UDN, PSD e  PTB, “inimigos íntimos” que se enfrentavam nas escaramuças político-partidárias da província.

Mas, em verdade vos digo: noves fora aqueles acontecimentos sombrios, vivi momentos agradáveis e inesquecíveis naquela Cuiabá de outrora. Que, ao contrário de Itabira para o poeta Drummond, não se tornou para mim um simples retrato na parede. A Cuiabá das minhas reminiscências é algo vivo e intemporal que pulsa e permanece visível na ancianidade que ainda conserva e a distingue. A metrópole de hoje, no afã de mudar e crescer, não conseguiu sepultá-la completamente sob o imitativo das novas formas arquitetônicas vulgarizadas que lhe maquiaram a face.

Por isso, mesmo sem recorrer às lembranças, posso encontrá-la integrada à nova paisagem urbana em algumas daquelas suas ruas de  casas simples, em sua maioria geminadas e que se assemelham na quase padronização de suas construções e que escaparam à ganância imobiliária e às investidas do progresso. Por entre espigões sem alma e a contrastar com o moderno e o fausto das mansões de luxo, seus casarões antigos resistem ao snobismo do contemporâneo com a sobriedade estética de suas fachadas, a beleza dos azulejos portugueses e a imponência quase aristocrática dos seus grandes e pesados portões de ferro.

Esse é um pedaçinho da Cuiabá que permaneceu tatuada na retina e no coração de quem a conheceu no passado e continua a encontrá-la viva e materializada no pouco que lhe restou dos tempos idos. Como Jota Alves, o nosso rapaz em Moscou, que num gesto de fino gosto pelas coisas simples, um dia deixou a Praça Vermelha e retornou à Praça Alencastro das palmeiras imperiais. Para reencontrar a Cuiabá de seu afeto sob as grandes sombras das mangueiras, nas ladeiras de suas ruas estreitas e no labirinto de seus becos e vielas.

Mas, quanto à sua paisagem humana, Cuiabá mudou e muito. Antes mesmo dos anos inaugurais desse novo século deixou de ser a mesma. Muita gente da gente se encantou e outras gentes compõem agora seu painel humano. A Cidade Verde já não é a de Silva Freire e tampouco do cuiabano de chapa e cruz…

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  1. Que bom poder viajar em leitura tão sublime, em um poema tão belo e verdadeiro como o de Wilson Lemos, inigualável…parabéns!
    Luiza Helena Rodrigues – “quase nora”.

  2. Meu velho e jovem querido pai, uma peça dessa só poderia vir de sua lavra.
    Um beijo do seu filho, que agora brasiliense, continua cuiabano/rondonopolitano.
    Abraços
    Charles

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