O cálculo do peso (kg) dividido pela estatura (m) ao quadrado foi proposto pela primeira vez pelo estatístico belga Adolphe Quetelet no século XIX, como um índice de peso ajustado pela estatura. Na década de 1950, Ancel Keys o batizou com o nome de Índice de Massa Corpórea (IMC) e, no final dos anos 70 seu uso em crianças foi proposto por Cole, a partir de curvas específicas para idade, afirmando que este era um índice simples e conveniente de peso para estatura antes da puberdade.
Pesquisas posteriores indicaram que em adultos o IMC apresenta correlação moderada com a gordura corporal, representando 75% da variabilidade entre indivíduos. Contudo, em crianças, a magnitude da associação entre IMC e adiposidade pode variar consideravelmente, e em diversos grupos foram relatadas associações relativamente fracas.
Em estudo com 192 crianças e adolescentes norte-americanos de 7 a 17 anos de idade, foi observado que a relação entre gordura corporal avaliada por DEXA (absortometria de raios X de dupla energia) como método de referência e IMC depende de diversos fatores. Entre eles, do estágio de maturação sexual, do gênero (para um IMC equivalente, meninas apresentam mais gordura corporal do que meninos), da etnia (brancos têm mais gordura corporal do que negros) e da circunferência da cintura (aqueles com obesidade central possuem mais gordura corporal do que aqueles com acúmulo periférico).
As diferenças entre IMC e adiposidade refletem ainda outra limitação. Uma análise de 129 crianças norte-americanas entre 10 e 12 anos utilizando diferentes métodos (DEXA, densitometria, diluição de isótopos, bioimpedância elétrica, dobras cutâneas e circunferências) revelou que só houve forte correlação entre IMC e a estimativa de gordura nas crianças com maior percentual de gordura corporal. Isso indica que o IMC é um bom indicador quando a criança já acumulou grande quantidade de gordura corporal, o que não é ideal, considerando-se a necessidade de identificar a adiposidade precocemente.
Demerath et al. (2006) acompanharam 494 crianças e adolescentes de oito a 18 anos de idade, a fim de examinar a capacidade do IMC de refletir mudanças na gordura corporal. Observou-se que a massa livre de gordura (MLG) apresentou relação linear com os percentis de IMC, enquanto a massa gorda (MG) tendeu a aumentar notadamente apenas em percentis de IMC muito altos. Particularmente entre adolescentes do sexo masculino, o aumento do IMC refletiu perda de MG e aumento de MLG (em virtude da massa muscular), indicando a fragilidade do IMC como indicador de gordura corporal neste gênero e faixa etária.
Recentemente, a circunferência da cintura (CC), assim como a razão cintura/estatura (RCE), vem sendo proposta como forma de identificar a adiposidade em crianças e adolescentes. No estudo de Brambilla et al. (2013), a RCE apresentou desempenho melhor que a CC e o IMC na predição de gordura corporal em 2339 jovens de oito a 18 anos. Por outro lado, Fujita et al. (2011) descreveram performance semelhante da CC, RCE e IMC na identificação de crianças e adolescentes (9 a 11 anos) com excesso de gordura abdominal.
É possível, como sugerido por Aerbeli et al. (2013), que um escore composto por IMC e CC seja ainda mais sensível para predizer a porcentagem de gordura corporal do que estas duas medidas isoladamente. Mais estudos são necessários para testar e desenvolver novas ferramentas para detecção da adiposidade na faixa etária pediátrica a partir de medidas simples, fáceis de obter nos estudos epidemiológicos e na prática clínica, como IMC, CC e RCE.
