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“A medicina aqui era feita no peito e na raça”

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O Jornal A TRIBUNA entrevistou nesta semana o médico pediatra Mário Luiz Tenório Perrone, hoje com 73 anos de idade, que fez história em Rondonópolis na área da medicina. Ele foi o primeiro médico pediatra a atuar no município e na região, contabilizando experiências de um período em que tudo estava por fazer na área da saúde local. Atualmente é o pediatra mais antigo do estado de Mato Grosso e o médico mais antigo em atividade de Rondonópolis. Confira um pouco dessa história:


Médico pediatra Mário Luiz Tenório Perrone: “Olho hoje para a cidade e dá a sensação de dever cumprido e, ao mesmo tempo, de nostalgia” - Foto: A TRIBUNA
Médico pediatra Mário Luiz Tenório Perrone: “Olho hoje para a cidade e dá a sensação de dever cumprido e, ao mesmo tempo, de nostalgia” – Foto: A TRIBUNA

O médico Mário Luiz Tenório Perrone deixou a capital paulista, que estava com o mercado supersaturado, buscando um local onde pudesse ser mais útil e ter uma vida mais tranquila. Por acaso, encontrou Rondonópolis e decidiu aqui começar sua trajetória profissional, passando a conviver com a realidade de uma cidade pequena, isolada e sem qualquer estrutura de saúde.
Nascido em 1944, em São Paulo (SP), Mário Perrone viveu a infância e a adolescência em Presidente Prudente e fez Medicina na Universidade de São Paulo, a USP, onde se formou em 1968 e, na sequência, fez especialização em Pediatria. “Repeti uma história parecida ao do meu pai, que se formou na USP e foi para Presidente Prudente em 1940, que guardadas as devidas proporções era algo parecido como vir para Rondonópolis na década de 70”, analisa.

Registro antigo do médico em atuação profissional - Foto: Arquivo Pessoal
Registro antigo do médico em atuação profissional – Foto: Arquivo Pessoal

Após a conclusão dos estudos, Perrone vendeu um Fusca que tinha, comprou material médico para começar um consultório e saiu de São Paulo em busca de um lugar para atuar. Numa viagem pelo Brasil, o ônibus quebrou e ele teve que dormir em Rondonópolis, em um pequeno hotel na Avenida Amazonas. Atesta que nunca tinha ouvido falar antes de Rondonópolis, mas que acabou se impressionando com o potencial de crescimento da cidade.
“Era um sábado e vi um movimento grande de pessoas de bicicleta, de carroça e a cavalo… Havia apenas paralelepípedo em um pequeno núcleo central. Fui dar uma volta e entrei na farmácia do antigo João Morais, que me recebeu muito bem e insistiu para que eu viesse para cá”, recorda. Com a decisão tomada, ele chegou em definitivo em Rondonópolis em 10 de outubro de 1970.
Perrone atesta que encontrou a vida como ela é em Rondonópolis, com comunicação precária e carente de informações. Assim, se deparou com uma população carente e muito ignorante. “O povo tinha algumas crenças prejudiciais à saúde das crianças, e tive muita dificuldade de combatê-las. Por exemplo, dar banho em criança com febre era caso de morte para as pessoas daqui. As parteiras punham pó de fumo e terra no umbigo dos recém-nascidos”, lembra.
A falta de estrutura era um desafio na Rondonópolis de outrora. “A medicina aqui era feita no peito e na raça. A gente tinha que examinar, diagnosticar e medicar baseado no que a gente colhia; não tinha raio-x, ultrassom…”, afirma. Nesse sentido, diz que a relação médico-paciente era muito próxima, se valendo muito da conversa e avaliação clínica. “Atualmente acredito que os médicos estão usando muito mal a tecnologia existente. A tecnologia ajuda, mas não substitui a conversa, o toque do médico no paciente…”, alerta.
Um caso que o marcou naquele início foi de uma jovem que teve um parto prematuro em uma clínica na Avenida Marechal Rondon, cuja criança nasceu sem condições de vida. Como não tinha nada a fazer, conta que improvisou uma incubadora colocando o bebê em uma caixa de sapato e esquentando alguns tijolos. “Para minha surpresa, algumas horas depois, a criança estava chorando e com uma vitalidade muito boa”, pontua.
Perrone começou atuando em uma clínica improvisada na esquina da Avenida Marechal Rondon com a Rua João Pessoa, onde também morava e hospitalizava algumas crianças. Como era o único pediatra, ele diz que trabalhava, praticamente, 24 horas por dia, diante da necessidade da população. Também observa que naquela época em que chegou não havia Sistema Único de Saúde (SUS), convênio ou plano de saúde e, que por isso, atendia muita gente sem condição financeira, prestando um serviço social.
Um dos primeiros trabalhos do pioneiro foi com o médico Antônio Santos Muniz, que tinha um hospital improvisado em Rondonópolis. “No centro cirúrgico desse hospital, as pessoas entravam com os pés cheios de fezes de gado e não contaminava ninguém”, revela. “A maioria das pessoas da cidade era pequenos lavradores, com pequenas lavouras, que tinham um dinheirinho para pagar as despesas e o médico”, observa.

Mário Perrone, quando da inauguração do antigo Hospital São Lucas, junto de outros colegas profissionais - Foto: Arquivo Pessoal
Mário Perrone, quando da inauguração do antigo Hospital São Lucas, junto de outros colegas profissionais – Foto: Arquivo Pessoal

Em 1972, o médico se casou com Lassimi, que é filha do pioneiro Marinho Franco, que veio da Bahia e teve grande importância cultural no município. Com ela, teve os filhos Lucas, Estela e Nara, possuindo hoje dois netos. “Aqui era gente do Brasil inteiro… Era filho de gaúcho casando com pernambucano, gente de um estado casando com de outra região, e saiu essa “raça” rondonopolitana”, contextualiza.
A maior conquista que ocorreu na área da saúde em Rondonópolis, segundo o profissional, ao longo de todo esse tempo, foi o começo da vacinação em massa, por volta de 1973/1974. “Quando cheguei aqui não havia criança vacinada. Então, doenças preveníveis como tétano, difteria e coqueluche eram muito frequentes… Parece algo simples, mas fez muita diferença”, argumenta.
O pioneiro relata que lhe encantou em Rondonópolis naquela época o caráter cosmopolita da cidade, com gente de todas as partes do Brasil. “Você não pode imaginar como era isso aqui em 1970! Era o fim do mundo. O choque cultural entre São Paulo e Rondonópolis era muito grande”, aponta. “Quando saí de São Paulo falava que não queria mais saber de trânsito e violência; e você vê como está Rondonópolis hoje nessas áreas?!”, contrapõe.
Já nos anos de 1980, Perrone abriu o Hospital Infantil São Lucas, que perdurou até 2000 na cidade. A partir daí, trabalhou por longo período na Santa Casa de Misericórdia e como médico concursado no Hospital Regional. Fez concurso para médico perito do INSS, onde atuou até 2014, quando saiu através de uma aposentadoria compulsória. Agora não exerce mais a Pediatria, atuando apenas como perito da Justiça do Trabalho.
O médico repassa que hoje tem saudades da Rondonópolis antiga em muitos aspectos, a exemplo, da segurança de andar e passear tranquilamente, de pôr a cadeira na calçada e ficar conversando, de todo mundo conhecer todo mundo. “Tenho saudade do lado humano da cidade, das pessoas que chegaram aqui e enfrentaram tudo isso sem conforto, sem nada e foram a base desse crescimento de Rondonópolis, que hoje é uma metrópole”, aponta. Por outro lado, fala que o progresso trouxe muita coisa boa, especialmente na área de comunicação.

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8 COMENTÁRIOS

  1. Dr. Perrone um grande profissional. Tornou-se um exemplo para nós. Lembro-me q de segunda a sexta-feira eu passava na frente da clínica dele na Av. Mal. Rondon com a R. João Pessoa, pois trabalhava no Cartório do 2 Ofício e ia à Delegacia da Rec. Federal(Sr. Lamartine) e no Correio. A sala de espera aberta e olhava da calçada quem iria consultar e aí pensava um dia vou ser médico e fiz vestibular só para medicina em Univ. Públicas. PERRONE tenho uma grande admiração por vc. Deus o abençoe.

  2. Dr Perrone! Foi meu pediatra também! Representa a medicina idealista, mais humana.Lembro quando fazia visita médica no domicílio da criança enferma: fazia anamnese, exame físico e imediato tratamento..e a gente ainda criança pensava: como é que esse cara faz isso?:!. Mestre na profissão médica. Obrigado por ter escolhido Rondonópolis!

  3. Realmente uma epopéia a vinda dos profissionais autônomos para a querida cidade. Diferente de gente como eu que aportei como militar e depois coo professor da UFMT, Perrone e tantos outros médicos, dentistas, contabilistas, advogados entre outros profissionais, apostaram as carreiras e muitos deles, orgulhosamente chegaram ao topo.

  4. Tive a grata satisfação de tê-lo como pediatra da minha única filha, hoje com 25 anos; Foi Dr. Mário quem a pegou nos braços no nascimento e cuidou dela com muito carinho. Um grande abraço Dr. Mário, e parabéns pelos anos de dedicação, o senhor é muito querido em nossa Rondonópolis e região, tenho certeza.

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