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, 19 maio 2024
 
 

Na decadência do samba

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“esse samba da Mangueira é um dos piores de sua história. Nele, quase nada caracteriza nossa calorosa cidade. O texto é tão ruim que ele serviria para homenagear qualquer outro lugar. Os reais tópicos identificadores de Cuiabá não foram aproveitados naquele samba”
“esse samba da Mangueira é um dos piores de sua história. Nele, quase nada caracteriza nossa calorosa cidade. O texto é tão ruim que ele serviria para homenagear qualquer outro lugar. Os reais tópicos identificadores de Cuiabá não foram aproveitados naquele samba”

Mesmo chorando pela tragédia ocorrida em Santa Maria, o país segue seu calendário. Os tambores que já rufavam alhures continuam a rufar, os tamborins a tamborilar, e assim por diante… O Carnaval nosso de cada ano vem aí… Mas não sem decadências já cantadas em versos.
Por isso, retomo um artigo que publiquei – “Samba mequetrefe” – na primeira quinzena do outubro passado. Nele, analisei o samba-enredo da Mangueira, que – a troco de bons trocados – homenageará Cuiabá, vista como “A capital da natureza”.
Como naquele sambinha o primeiro verso – “Dai-me inspiração, ó, Pai!” – já o condena ao fracasso, em minha crítica afirmei que, “se a Mangueira, com esse samba, sem a menor inspiração, cheio de rimas pobres, tolices várias, e ausências mil, não for rebaixada para o segundo grupo, deverá agradecer a seus orixás eternamente…”
Esse samba da Mangueira é um dos piores de sua história. Nele, quase nada caracteriza nossa calorosa cidade. O texto é tão ruim que ele serviria para homenagear qualquer outro lugar. Os reais tópicos identificadores de Cuiabá não foram aproveitados naquele samba. Desperdício poético e financeiro…
Pois bem! O retorno a esse tema deve-se ao artigo “Refrão de Carnaval”, assinado por Paula Cesarino Costa (Folha de São Paulo: 24/01/2013). Na essência, pouco mais da metade daquele artigo é reforçado o que eu já dissera sobre o enredo da Mangueira, mas complementado com observações acerca de outros sambas-enredos; tanto é que, para a articulista, aquele primeiro verso do samba da Mangueira “parece um pedido de socorro das escolas de samba cariocas”. Em vão…
Daí por diante, a articulista diz: “É no impensável balanço germânico que a Tijuca vai tentar conquistar o bicampeonato”. Não deverá conseguir. Assim, a Tijuca – homenageando a Alemanha – também apresentará seu pior samba-enredo composto até hoje. Quiçá não seja pior do que o da Mangueira!
Paula Cesarino ainda destaca a pobreza do enredo da estreante no primeiro grupo Inocentes de Belford Roxo, que espantosamente enaltecerá a Coreia do Sul. Só desconexões! Essa escola, pela estranha escolha, não será coroada. Poderá até voltar de onde veio…
O único samba bem avaliado pela articulista é o da Beija-Flor. De minha parte, não o considero brilhante; todavia, diante das outras misérias acaba sendo pérola, pois é bem articulado e recorre com pertinência à história do cavalo manga-larga. Deverá empolgar o público e o jurado. Poderá ser a campeã!
Depois disso, Paula Cesarino, no sexto parágrafo, diz que “Sambas enredos (sic.) absurdos – em grande parte, por causa de patrocínio –, com letras escalafobéticas, não são novidades. Mas, neste ano, a falta de ritmo e jeito parece ter ultrapassado o limite mesmo daqueles que têm boa vontade com o samba”.
A essas considerações, acrescento que, além da necessidade de patrocínios, a falta de inspiração e preguiça poéticas também são marcas de nossa indigência cultural.
Assim, termino meu artigo, lembrando o romance “Herança” (EdUFMT), de Hilda Gomes Dutra Magalhães, que – aproveitando-se da passagem metafórica de uma escola de samba pela avenida/texto – nos brinda com um dos mais preciosos registros literários que tencionam justamente o árduo trabalho do artista da palavra.
Nesse sentido, particularmente sobre a inspiração, a narradora de Herança diz: “– De uns tempos pra cá. Bastante tempo já. A inspiração anda preguiçosa… As costas começam a doer. As palavras são frouxas, as preocupações… A inspiração anda ranzinza… reumatismos”.

(*) ROBERTO BOAVENTURA DA SILVA SÁ é doutor em Jornalismo pela USP e professor de Literatura na UFMT em Cuiabá

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