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, 24 maio 2024
 
 

Autonomia universitária, sonho distante no Brasil

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O tempo passa inexorável. A vida vai chegando ao fim. Isso é natural, faz parte do ciclo biológico e nada se pode fazer a respeito. Por outro lado, a vida social, em sociedade, a tal civilização sofre a passagem do tempo de igual forma, pois o tempo que passou nunca será recuperado. Entretanto, o aprimoramento da civilização deveria ser a regra geral. Afinal somos seres pensantes, ou não?
Como é possível um país como o Brasil, viver sob várias ditaduras desde o fim do Império, em 1889, e não aprender socialmente o valor da democracia? Nem Charles Darwin explica essa teimosia do brasileiro em ser autoritário, totalitário, avesso ao cumprimento estrito da lei. O cara é de esquerda ou de direita, não importa, pois se assume o poder se torna um algoz, um ditador, um dono da verdade de plantão.
Ontem defendia nas ruas, nas praças a liberdade individual, o cumprimento das leis e ao assumir um cargo público de mando se transforma  num violador de princípios éticos, morais e legais. Isso parece praga de madrinha. Há exceções? Sim, elas existem e são chamados de fracos, quando deveriam  ser tratados como inovadores nessa terra de meu deus.
Em lugar de ficar só falando em tese, me deixe dar alguns exemplos do que estou afirmando. A Constituição Brasileira, a lei das leis brasileiras, determina que as universidades possuam autonomia. Por que os constituintes fizeram isso: antes dela a lei comum (ordinária) não foi suficiente para que as universidades realmente pudessem cumprir, de modo autônomo e independente, a sua verdadeira, relevante e indispensável finalidade. Sacou a importância disso para o Brasil!
Os constituintes sabiam que a lei ordinária não garantia a autonomia para as universidades e isso todos estavam carecas de saber. Por conta disso, eles incluíram na Constituição a prerrogativa de autonomia para que as universidades públicas e privadas não sofressem a interferência de governos passageiros e pudessem se preocupar com o bem da humanidade, essa sim missão maior das universidades.
Em outras palavras: desde 1988, o presidente da República, os Ministros de Estado, o Conselho Nacional de Educação, os governadores e prefeitos, e suas secretarias de governo não podem interferir nas decisões acadêmicas das universidades. E isso nunca significou que a universidade está acima da lei. Só o poder legislativo, representando o povo brasileiro pode e deve criar novas normas legais para as universidades. Se eu, um analista de sistemas de informações de terceira categoria sou capaz de entender isso, então qualquer outro cidadão também o é.
Pois bem, abro os jornais e lá vêm uma enxurrada de notícias sobre as universidades, todas vindas de pessoas estranhas a ela! Interferências indesejáveis e perigosas para o futuro do Brasil. A sociedade possui mecanismos para intervir diretamente nas universidades, por meio de seus representantes no Conselho Diretor.
Aqui na UFMT, esse conselho é formado assim: três membros de livre escolha do presidente da República; um membro indicado pelo ministro da Educação; um membro indicado pelo governo do estado de Mato Grosso; e um membro indicado pelas classes empresariais do estado; todos eles nomeados pelo Presidente da República. Esses membros interferem na vida acadêmica com total respaldo constitucional. Ponto final.
Qualquer outra interferência é nefasta, é uma desgraça para o livre pensar que os intelectuais da universidade precisam ter ou a Ciência não evolui, não avança. Já pensaram se o bispo da igreja tal pudesse intervir na universidade e disser o que podemos ou não pesquisar? Ou, um empresário rico dissesse que nossos esforços deveriam focar as plantações dele? Ou mesmo, um cacique político regional proibindo os estudantes universitários de realizar atividades de extensão como o Projeto Rondon porque põe em risco o curral eleitoral dele? Nada disso a Constituição permite.
A História da Civilização mostra que as universidades são as mais antigas instituições onde se vive a autonomia e a auto-organização. Sendo honesto, ela é tão antiga que vem antes da noção de estado, de nação, simplesmente quatrocentos anos antes. E hoje, o que está acontecendo com esse princípio fundamental?
A mediocridade está substituindo a meritocracia. Onde antes havia um técnico especializado hoje está um militante partidário. E com isso, a noção secular de autonomia universitária é ignorada. Isso mesmo, as bestas quadradas não sabem o que vem a ser autonomia e a ousadia do ignorante não tem limites, daí ataca o que não conhece e fez uma burrice após a outra.
Como não há santo na vida acadêmica, todos deveriam compor a elite pensante local, logo os que apoiam a tal investida alienígena contra a universidade estão carregados ou de má-fé, subserviência, conchavos político-partidários, ou ranços pelo não reconhecimento de seus feitos e malfeito na vida acadêmica. Esses são os que considero capachos, gentalha, pois não sendo ignorantes como os burocratas de Brasília aceitam a interferência por conveniência própria, pensando em si mesmo e não na universidade.
Esses membros da academia podem ser considerados verdadeiros Silvério dos Reis, Calabar ou Judas Iscariotes. Todos traíram suas causas conhecendo bem a desgraça que causaram a elas e hoje se repete a mesma atitude vil.
Atualmente, os mato-grossenses estão diminuindo nos bancos da nossa universidade federal e passado pouco tempo tornará a minoria. Como nasci e cresci antes da ditadura militar, em tempos de democracia total (Dutra/Juscelino) posso afirmar que as universidades estão nos estados federados para formar profissionais de alto nível de forma regionalizada, ou bastaria uma imensa na capital.
O SISU/MEC é um instrumento totalitário que destrói o conceito de desenvolvimento regional. Em Brasília, longe do campus universitário, o ministro da Educação acorda bem humorado e diz: vou criar um curso de medicina em Rondonópolis. Pronto. Em um passe de mágica a cidade ganha um novo curso, tão desejado. E se ele quiser extinguir o curso de Ciências Contábeis, um dos mais antigos do CUR/UFMT? Claro que pode, a lógica é a mesma.
Agora se implantam as cotas por meio de lei. Claro que essa gente não quer mudar o estado de abandono das escolas do Ensino Fundamental e Médio, nem mesmo pagar decentemente os professores da Educação Básica. Em lugar disso vamos arrumar outro problema: dois alunos na mesma sala: um capaz de entender os fundamentos teóricos da computação e outro que não compreende o teor de minhas palavras em sala de aula. E aí? Simples, o ministro manda a universidade nivelar o conhecimento de todos os ingressantes. E eu pergunto de plano: para cima ou para baixo? Reforço escolar inicial na universidade? É o fim da picada.
Lembram-se do padre que o Jô Soares fazia na TV e que dizia ao outro: “Cala a boca Batista?”.  Pois é, está na hora do ministro fechar a boca e se preocupar com a Educação Básica, com a carreira docente, com a infraestrutura física das universidades, com o dinheirão jogado fora nos programas que desviam recursos públicos para instituições privadas. Chega de asneiras como o PROUCA, tablet, celular na sala, professor em Berlim. Vamos atacar a alfabetização das crianças na idade certa, erradicar o analfabetismo, reforçar e mudar os rumos ruins do PROINFO e fazer o computador chegar à sala de professores antes de chegar à sala de aula (minha luta desde 1999), vamos valorizar efetivamente os professores, com atos palpáveis.
A Educação ofertada nas escolas já não prioriza a formação de cidadãos e tenta sem êxito oferecer serviços a consumidores. Isso é uma burrice gigantesca, ou eu não estaria agora escrevendo esse longo desabafo. Sou cria da escola pública de alta qualidade! Eu prego aos alunos de Computação que os sistemas computacionais devem atender sob medida ao cliente. A Educação não pode ter essa mesma visão, pois nossa atividade-fim é fazer brotar das salas de aulas cidadãos para viverem em sociedade com ética e respeito ao próximo, coletivamente, nada a ver com o consumismo de mercado.
Para fechar essa ladainha sem fim, lembro que aqui mesmo em A TRIBUNA, um médico e cidadão rondonopolitano, levantava questões importantes para o diálogo em sociedade que até agora é um monólogo que colocava mais de dez perguntas sem respostas da academia até o momento. Talvez, Maurício Raposo, a academia esteja deitada em berço esplêndido esperando que algum aventureiro lance mão da decisão e resolva as questões levantadas por você.
Em março de 2013, com a mudança na cúpula diretiva da UFMT, tanto em Cuiabá como em Rondonópolis, fico torcendo para que mude alguma coisa nessas cabeças coroadas. Pois o que vejo no futuro é a revogação do artigo 207 da Constituição do Brasil por absoluto desuso por parte dos acadêmicos e do imenso autoritarismo dos governantes de plantão, incapazes de ter uma visão democrática do mundo, do Brasil e de suas instituições permanentes. É chegada a hora de agir e reagir.

(*) Ruy Ferreira é professor da UFMT desde 1995

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  1. Artigo importante e oportuno como sempre se espera de um Educador e Escritor Inteligentíssimo feito Professor Ruy.
    Abraço forte meu amigo.

  2. Caríssimo Sr. Vargues: em poucas e breves palavras o senhor disse tudo que muitas e inúmeras vezes fica entalado na gagarganta de milhares de cidadãos de bem que não sabe para onde vão os recursos, as promessas e o pior de tudo: o derrame de bondade e de vontade política de fazer, de mudar, de ser diferente. É triste pensar assim, mas a cada horário político e no movimento de mudança nos poderes legislativos e executivos fico incrédula diante dos discursos/pronunciamentos vazios ou ostensivos demasiadamente para uma realidade de quatro anos.

  3. Nossos governantes, principalmente os vinculados a educacao, deveriam dedicar mais seus conhecimentos e manifesta-los em prol do crescimento intelectual humano, ou seja, simplesmente ESCOLA. Terem compromissos, como erradicar o analfabetismo e e projetar um futuro elaborados por pessoas capazes e competentes da area. Ja esta mais que na hora de parar com essa pratica diabolica de contratar assessores amiguinhos, primos, irmaos, tios, tias, todos incompetentes e depois culpa-los pelo fracasso obviamente previsto. Eh chegada a hora, sim, de ver brotar das nossas salas de aula, um cidadao preparado para viver em sociedade com etica e respeito ao proximo. Belo artigo, muito oportuno.

  4. Caro Prof. Ruy,
    Me sensibilizei com o seu manifesto e tenho as mesmas
    convicções que as suas.
    Vamos continuar alertas quanto aos nossos ideais !

    Joel
    Aluno de mestrado
    do Campus/Roo

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