A autora Vera Malaguti Batista, em sua obra Difíceis Ganhos Fáceis, relata um interregno que compreende duas décadas nos anos 1968 a 1988, abordando a vivência de adolescentes moradores em favelas e bairros pobres do Rio de Janeiro, o que também não deixa de ser um fragmento de toda a América Latina. Por outro lado, a autora alemã Gerlinda Smauss, enfoca fatos que começam com o início da época moderna indo às comunidades dos países centrais da Europa e dos Estados Unidos. O público alvo são os adultos pobres.
As duas autoras deixam claro que já passados dois séculos da instauração do direito penal do fato – que é um direito igualitário para todos os infratores, o sistema de justiça criminal continua a funcionar como um direito penal do tipo do autor e que o perfil do criminoso que guia a ação da polícia, dos promotores, dos juízes e domina a opinião pública e os meios de informação de massa, corresponde às características dos grupos sociais entre os quais o sistema seleciona e recruta os seus clientes, isto é, vários infratores distribuídos por todas as camadas da população.
Através das sentenças, torna-se evidente que os juízes e os operadores do sistema (psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais) têm consigo a convicção de que as medidas são normais e necessárias para o primeiro grupo de jovens, porém imprópria para o segundo.
Na análise levada a efeito, a liberdade assistida e os serviços psicoterapêuticos paralelos à internação parecem destinados à recuperação dos jovens não brancos, mulatos e pobres. Para os jovens da classe média, evitam-se estas medidas, substituindo-as pelo reenvio à família e pelo acompanhamento do médico ou em clínicas particulares. Parece dominante na justiça juvenil, do início do século até 1988: criminalizar crianças e adolescentes pobres, definir a separação de uma população jovem já excluída socialmente, pô-la em guetos ou destruí-la.
Impor aos sobreviventes um emprego subalterno com salário apenas de subsistência, e têm como ambiente deste sistema a mídia e a opinião pública. Este é um resultado que se apoia na análise de documentos dos arquivos do Departamento de Ordem Política e Social no arquivo público do Estado do Rio de Janeiro e arquivos da Funabem. As drogas são motivos de intervenção do sistema, como em outras épocas. Também outras infrações como pequenos furtos, situações de risco como abandono que leva o jovem ao sistema da criminalidade. Durante quase um século, persistem os principais componentes ideológicos do olhar seletivo da justiça do menor. São princípios desumanizantes, repressivos e segregadores do sistema independente das mudanças gerais das condições políticas e transformações legislativas.
Cada fase percorrida pela história da justiça menoril, é voltada mais para o passado que para o futuro, e em assim sendo em vez de propor um projeto de transformação na ótica do sistema, isto não acontece. Desta feita, a ótica anterior se projeta na fase sucessiva tornando cada vez mais consistente, corroborando para a perpetuação das diferenças sociais, em pleno século XXI.
(*) Cícero João de Carvalho é estudante de Direito – E-mail – [email protected]
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