Desta maneira, quando se está diante de um ato discricionário, presente se encontra o mérito administrativo, objeto deste artigo. Isto porque, o motivo e o objeto formam o núcleo do mérito administrativo. Portanto, podemos afirmar que, em se tratando de ato administrativo discricionário, a Administração Pública poderá, segundo critérios de conveniência e oportunidade, praticar o ato com certa liberdade de escolha, escolha esta concedida por lei. E, devido a ter decidido segundo os critérios definidos em lei, pergunta-se: pode o Poder Judiciário analisar o mérito do ato administrativo ou é uma prerrogativa exclusiva da Administração?
Até alguns dias atrás, o entendimento que prevalecia era de que não cabia ao Poder Judiciário analisar o motivo e o objeto de um ato discricionário, mas apenas o aspecto de legalidade, ou seja, se o ato foi praticado conforme ou contrário a lei.
Contudo, os últimos julgamentos do Poder Judiciário, precipuamente do Supremo Tribunal Federal (STF), no caso de extradição do italiano Cesare Battisti, e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do RMS 24584/SP, começam a dar sinais de que este entendimento poderá vir a cair por terra.
No caso do julgamento feito pela Corte Superior, acima citado (RMS 24584/SP), se decidiu pela nulidade da portaria de demissão por entender que deve ser aplicado, ao caso, o princípio da presunção de inocência, princípio este intimamente ligado ao princípio da legalidade. O caso posto em julgamento referiu-se a entrega, por uma servidora pública, de diploma e histórico escolar falsos para fins de evolução funcional. No entender do STJ não ficou demonstrada a culpa da servidora pública, ou seja, não há provas de que a mesma tinha consciência e intenção de usar de ardil para enganar a Administração, afastando, com base no princípio da presunção de inocência e da legalidade, a demissão aplicada à servidora pública. Ora, veja que o caso acima analisado tratou-se ato administrativo discricionário. Sendo assim, caberia ao STJ fazer exame apenas legalidade e não de mérito administrativo. Entretanto, no meu modo de entender, o Superior Tribunal de Justiça acabou por analisar o mérito administrativo, já que enfrentou o motivo e o objeto do ato ao julgar que não restou demonstrada a intenção da servidora pública de se utilizar de ardil para enganar a Administração, inclusive citando depoimentos colhidos nos autos, numa clara demonstração de enfrentamento do mérito administrativo.
Destarte, pelos últimos julgamentos dos tribunais superiores, a não análise do mérito do ato administrativo pelo Poder Judiciário poderá estar com seus dias contados.
(*) Fernando Biral de Freitas é advogado, pós-graduado em Direito Administrativo e Processo Administrativo e professor de Direito Administrativo da Faculdade Unilasalle de Lucas do Rio Verde – MT – [email protected]
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