Todos os anos milhares de alunos e centenas de professores passam pelo ritual da volta às aulas. Uma série de sentimentos, ações e noções se estabelece como expectativa acerca deste momento tão paradigmático, marcado por curiosidades e certos receios, por aqueles que estão envolvidos com esse campo da formação humana.
Lembro-me perfeitamente de como o meu coração ficava agitado e apreensivo no primeiro dia de aula e quais eram as perspectivas que me constituíam quanto aos professores, colegas de sala, e até mesmo, de toda estrutura física e/ou estética da escola em si. Era formidável perceber as primeiras cenas que se construíam a cada novo momento, rosto, olhar, ironia, risadas e o contato com os novos alunos que começavam a ter a sua primeira relação com escola e as várias pessoas que faziam parte do cenário escolar e/ou estudantil.
Sendo assim, esse quadro nos remete a uma avaliação das expectativas que muitos pais, professores, alunos e a própria comunidade criam quanto a importância da escola na vida de cada aluno como lugar de formação. Por vezes, uma variedade de enigmas, conceitos, determinações, construções teóricas e noções do senso comum tendem a ditar e/ou determinar a natureza, o papel, a missão e o propósito da escola dentro do universo da educação.
Para muitos, a instituição escolar, por vezes, tem sido vista apenas como um ambiente de doutrinação dos códigos e conteúdos escolares necessários para uma possível aprovação no Exame Nacional do Ensino Médio. Uma vez aprovado, o aluno é visto como alguém, e a sua importância não reside de fato em quem ele é, mas, no que ele se torna, a partir de uma pontuação que nada mais é do que um mecanismo político da estrutura de poder e alienação.
No entanto, em determinados momentos, a escola se transforma numa agência de perpetuação moral e/ou moralizante das várias instituições socioculturais que resumem a diversidade da vida ao campo restrito e religioso da moralidade humana, ou de suas normas comportamentais. Por isso, o modo de se vestir, sentar, falar, obedecer e cumprir o regimento é o “sinal” de organização, perenidade e seriedade didático-pedagógica.
Nesse sentido, além de sua função doutrinadora e moralizante, muitos partem do pressuposto de que a escola tem apenas uma função propedêutica, ou seja, a de preparar o aluno para a próxima fase, nos dando a impressão de que a vida humana com toda a sua complexidade e pluralidade, cumpre apenas uma lógica linear, de parâmetros precisos, imutáveis e de caminhos matematicamente exatos.
Assim, é neste emaranhado de opiniões que artigos, palestras, leituras e releituras são produzidas quanto a natureza ontológica, filosófica e pedagógica da escola. O que de certo modo, nem sempre traz uma clareza quanto ao papel e existência desta instituição no desenvolvimento histórico e formação das pessoas.
Diante desses impasses, vislumbramos um quadro com uma triste imagem: professores, pais e alunos são transformados em meros reprodutores de um projeto de poder político e econômico, e com toda certeza, se tornarão atores obcecados pelo rendimento, produtividade e projeção social, e ficarão felizes ao cumprir a agenda de produção.
Nesse sentido, a lógica do pragmatismo neoliberal, do consumismo frenético e dos discursos ideológicos que evocam um conceito de liberdade, nos aprisionam a um modelo de educação e de escola que não transcende os condicionamentos socioeconômicos; consequentemente, a não observância desses parâmetros servirá de mecanismo avaliativo, quanto à qualidade pedagógica de uma escola e dos profissionais que ali trabalham. Ou seja, boas escolas são aquelas que têm número maior de alunos aprovados nos cursos e nas universidades mais concorridas.
Deste modo, restam-nos dois caminhos básicos. O de seguir o mecanismo de produtividade, garantindo o status de sucesso e concorrência na esfera mercadológica do ensino; e a decisão de promover uma escola de teor reflexivo, que não se limita aos planos e aos parâmetros do materialismo.
Pelo contrário, ela se tornará um lugar de encontro, de problematização, de significação, de ação dialógica e dialética, de formação e comunicação do conteúdo escolar, e finalmente, um espaço de produção do conhecimento. Portanto, não vejo o momento do retorno às aulas, de ver novos alunos, de encontrar aqueles que já fazem parte nossa história, e acima de tudo, de ouvir, ver e sentir a escola como lugar social do crescimento intelectual, relacional e de humanização de nós mesmos.
(*) Emerson Arruda é teólogo, filósofo, mestre em Educação, doutorando em História, professor da rede particular de ensino e pastor da Igreja Presbiteriana Luzevida no bairro Jardim Rondônia, Rondonópolis