O município de Cáceres foi condenado a cumprir uma série de obrigações para combater o trabalho infantil, além de pagar uma indenização de R$ 200 mil por dano moral coletivo.
A decisão, dada na Vara do Trabalho de Cáceres, foi confirmada pelo Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso (TRT/MT), que reconheceu a omissão do município em implementar políticas públicas eficazes para enfrentar o problema.
A condenação resulta de uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), para que o Município cumprisse a obrigação de implementar políticas públicas para enfrentar a prática na região.
Relatórios de inspeção realizados nos órgãos socioassistenciais de Cáceres demonstraram a falta de um diagnóstico adequado e a naturalização do trabalho infantil na região. Dados do Observatório da Prevenção e da Erradicação do Trabalho Infantil, da Prova Brasil de 2017 e do Censo de 2010 indicaram envolvimento preocupante de crianças e adolescentes de Cáceres em atividades laborais.
Conforme o MPT, apesar de ser signatário e de ter recebido recursos federais para execução do AEPETI (Ações Estratégicas do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), o município não cumpriu suas obrigações e se recusou a assinar um Termo de Ajuste de Conduta, visando a implementação de políticas públicas eficazes.
COMPETÊNCIA
Condenado na Vara do Trabalho, o município recorreu ao Tribunal. Justificou não ter orçamento suficiente para a questão e alegou ainda a incompetência da Justiça do Trabalho para julgar o caso, por não se tratar de discussão sobre relação de trabalho.
Os argumentos não foram aceitos pelo TRT. Ao julgar o recurso, os membros da 2ª Turma acompanharam o relator, juiz convocado Juliano Girardello, que citou entendimento consolidado do Tribunal Superior do Trabalho, de que a Justiça do Trabalho é competente para julgar demandas relacionadas à implementação de políticas públicas para a prevenção e erradicação do trabalho infantil.
O relator destacou as falhas do município, incluindo a precariedade no quadro de pessoal, falta de capacitação e a ausência de ações coordenadas. Vistorias do MPT identificaram focos de vulnerabilidade socioeconômica e a falta de estatísticas precisas sobre o trabalho infantil, além de subnotificação dos casos.
A administração municipal reconheceu que não realiza busca ativa para identificar eventuais casos e que as denúncias são esporádicas. Em resposta ao MPT, admitiu também a falta de mapeamento das situações de risco e vulnerabilidade social.
A vistoria levantou ainda que, em média, são detectadas 30 situações de trabalho infantil, sendo que desses 15 são reincidências. Também observou quadro deficitário de profissionais. “Faltam psicólogos, pediatras e outros profissionais para a abordagem e para fazer cessar a reincidência, que é grande por falta de ações que atendam e acompanhem as famílias. Sem esse acompanhamento, o ciclo não se encerra”, apontou a inspeção.
SEPARAÇÃO DOS PODERES
Sobre o questionamento do município quanto a uma possível intervenção indevida do judiciário em assuntos administrativos, o juiz convocado apontou a desestruturação dos órgãos de proteção e a grave deficiência do serviço.
Esse cenário, ressaltou o magistrado, autoriza a intervenção do judiciário na questão das políticas públicas de garantia dos direitos fundamentais, sem que isso viole o princípio da separação dos poderes. É o que decidiu o STF no tema de repercussão geral 689.
DANO MORAL COLETIVO
Por fim, a 2ª Turma manteve a condenação do Município ao pagamento de R$200 mil, como compensação pelo dano moral coletivo. “Ao deixar de observar o dever legal de combater e erradicar o trabalho infantil, ofendeu toda a coletividade de crianças e adolescentes que devem ser protegidas pelas obrigações legais impostas aos Entes públicos”, concluiu o acórdão.