
Caros leitores e amigos do A TRIBUNA, já é sabido que muitos conhecem a história da Guerra do Paraguai (1864-1870), porém poucos sabem que o conflito iniciou em solo mato-grossense e menos como era viver na fronteira, vendo os paraguaios realizando várias mobilizações, aqui busco desenvolver de forma sumária o período que antecede imediatamente a deflagração da invasão e a Guerra do Paraguai em território mato-grossense. Vamos analisar as incursões militares na fronteira e a posição do governo paraguaio frente às reclamações e hostilidades de mato-grossenses, bem como a criação das colônias militares na área fronteiriça entre a Província e a República do Paraguai. Em seguida à movimentação de exércitos e concentração de material bélico nas guarnições.
A princípio a preocupação da Província procurava acompanhar os preparativos militares do Paraguai, da invasão às articulações de suas forças militares terrestres e fluviais. Nos anos que antecederam a guerra, as autoridades provinciais não reclamaram apenas do bloqueio fluvial no rio Paraguai, mas denunciaram a presença constante de tropas paraguaias junto à fronteira. Baseavam-se, por vezes, em petições recebidas de proprietários de terras que acompanhavam a movimentação dos paraguaios e solicitavam, junto ao Governo Provincial, providências urgentes que impedissem a presença incomoda de tropas daquele país em território brasileiro. O primeiro registro que temos, foi a presença paraguaia, em 1862, nas imediações da Colônia militar de Dourados, sob o comando do Ten. Pedro Pereyra, que percorreu o sul do Mato Grosso.
Nesse mesmo ano partiu de Concepción um destacamento paraguaio de 61 praças de Cavalaria ao território mato-grossense. O Ten. Molina que já sabia da aproximação porque foi avisado por um soldado que enxergara a tropa paraguaia na noite anterior. E, num tom intimidatório, o oficial paraguaio Pedro Pereyra questionou o Ten. Molina acerca da existência de uma colônia militar em solo paraguaio. Já na Colônia de Miranda, o tratamento que o Ten. Pereyra teve foi totalmente diferente do dado no dia anterior ao comandante da Colônia dos Dourados.
O comandante Pereyra fez apenas perguntas sobre o local, mas nada em tom hostil. Em Sessão da Câmara dos Deputados, o Ministro dos Negócios Estrangeiros do Império, Benevenuto A. Taques, fez esclarecimentos aos membros quanto a questão paraguaia circundando nossas fronteiras, este respondeu: deu-se um fato desagradável na fronteira da província de Mato Grosso com aquela República, fato este que, se fosse repetido, poderia ter consequências sérias; mas espero que o Governo da República do Paraguai não desconhecerá a importância das suas boas relações com o nosso Império.
No entanto, os fatos não se haviam passado como informaram os comandantes das nossas Colônias militares da fronteira; na verdade, o Governo do Paraguai tinha expedido uma força comandada pelo Ten. Pereyra para explorar a fronteira e reconhecer quais os novos estabelecimentos que aí tinha o Brasil; que, porém, Pereyra não tinha ordem de fazer intimidações aos que ocupavam aquele território. Ao saber da incursão paraguaia, o Tenente-Coronel José Antônio Dias da Silva, oficial do Distrito Militar de Miranda, ordenou a organização de um destacamento que partiria de Nioaque no encalço da tropa paraguaia.
Desse modo, a presença constante de tropas paraguaias em Mato Grosso evidenciou como estavam indefesas as guarnições militares na região e, também, como careciam de pessoas com maior preparo para os cargos militares. O presidente da Província de Mato Grosso, Herculano F. Penna, que aponta essa problemática, destaca a gravidade da situação das fronteiras entre o Império brasileiro e a República do Paraguai. Assim, nota-se quão problemática era a questão das fronteiras na região, a ponto de ser considerado relativamente normal “invadir”, os territórios vizinhos do Paraguai, fato que não acarretava nenhum pedido formal de justificativa.
Portanto, a Colônia dos Dourados, posto militar mais avançado de Mato Grosso e em território contestado pelo Paraguai, contava com um número de praças insuficiente. Há que se considerar, as denúncias de proprietários que tinham vistos soldados paraguaios em suas terras, a presença de um pequeno contingente de soldados paraguaios no interior de sua propriedade.
Outro incidente de invasão de propriedades mato-grossenses, foi uma suposta acusação de espionagem e prisão arbitrária de dois soldados paraguaios. Na Província de Mato Grosso, o Comando Militar da Fronteira, sediado em Corumbá, acompanhava essa movimentação paraguaia.
Informara sobre a chegada de um carregamento de material bélico, no lado guarani, composto de 150 canhões de grosso calibre, na madrugada de 21 para 22 em agosto de 1863, procedente de Assunção e destinado à fortaleza de Humaitá. Desde então, se observa intensa mobilização do lado paraguaio da Fronteira, deslocando e concentrando suprimentos bélicos, para suas guarnições de Humaitá e Curuguaty.
Segundo Frederico V. V. Garcia, em fins de 1863, Francisco Solano López foi informado, pelo seu ministro da Guerra, Francisco G. R. Brandão, sobre o envio de novas remessas de armamentos para a Província de Mato Grosso, com a finalidade de abastecer as unidades militares, os fortes de Humaitá e Itapiru, reforçando-os de modo a proteger possíveis investidas brasileiras no flanco norte do Paraguai. Em novembro de 1863, o presidente paraguaio Francisco S. Lopez eleva o tom ameaçador e envia um contingente militar paraguaio para 18.000 soldados, com uma reserva de 46.000, subindo para mais de 28.000 homens. O presidente Herculano F. Penna, faz um levantamento das forças militares existentes em Mato Grosso, a três anos do conflito comparando-as com os dados que possui sobre as forças militares paraguaias estacionadas na região de fronteira.
E, revela o despreparo da força militar da Província que não ultrapassava 1.500 soldados, número inexpressivo, principalmente pela extensão territorial da província de Mato Grosso. A “corrida armamentista” dos paraguaios na fronteira fundamentou-se de que dispunham, poucos fuzis, espadas, uniformes e calçados. Os primeiros treinamentos dos batalhões de Infantaria se limitaram ao uso de facas, com o propósito de guardar as munições, e de antigos fuzis, como os de faísca, de anima lisa e bala esférica, cuja ação era quase ineficaz devido sua extrema lentidão, além de outros mil inconvenientes.
Entre os anos de 1860 a 1864, assistiu-se a grande número de reclamações por parte das autoridades paraguaias, sobre o que julgavam como transgressões no limite fronteiriço entre a Província de Mato Grosso e seu país. As queixas, no entanto, eram tratadas pelas Representações diplomáticas como fatos corriqueiros, isolados e banais que não mereciam maior atenção de ambos os países. Nessa época, registraram-se várias denúncias que iam desde, invasão de terra, fugas de escravos e correrias indígenas, bem como, de estancieiros paraguaios contra as autoridades da Província de não combaterem a prática de contrabando de gado, armas e de erva-mate por mato-grossenses, invadindo inclusive áreas situadas ao norte do departamento paraguaio de Concepción.
(*) Ney Iared Reynaldo, doutor em História da América, docente do curso de Graduação em Ciências Econômicas/FACAP/UFR. E-mail: [email protected]