
Nos últimos anos, o debate sobre o uso medicinal da cannabis tem ganhado cada vez mais espaço no Brasil. Pacientes que sofrem de doenças severas encontram no canabidiol (CBD) e em outros derivados da planta uma alternativa real e eficaz para o tratamento de sintomas incapacitantes.
Mas antes que alguém me acuse de defender a liberação da maconha, já deixo claro: sou contra o uso recreativo da droga. Meu posicionamento aqui é técnico e jurídico, com foco na garantia do direito à saúde, sem qualquer vínculo com discursos ideológicos.
A ciência já comprovou que a cannabis medicinal pode trazer benefícios para diversas condições de saúde, especialmente para pacientes que não respondem bem a tratamentos convencionais. Entre as doenças cujos sintomas podem ser aliviados com o uso medicinal da cannabis, destacam-se:
- Transtorno de Ansiedade Generalizada – Redução da ansiedade excessiva sem os efeitos colaterais comuns de ansiolíticos tradicionais.
- Depressão resistente a tratamento – Potencial antidepressivo, principalmente em quadros graves e refratários.
- Epilepsia refratária – Redução da frequência e intensidade de crises convulsivas.
- Doença de Parkinson – Controle de tremores e melhoria da rigidez muscular.
- Esclerose múltipla – Alívio de espasmos musculares, dores neuropáticas e inflamações.
- Autismo – Melhoria na regulação emocional e redução de crises agressivas.
- Fibromialgia e dores crônicas – Ação analgésica e anti-inflamatória eficaz para dores de difícil controle.
- Alzheimer – Potencial neuroprotetor, ajudando na estabilização da progressão da doença.
- Câncer – Controle de dores intensas e alívio dos efeitos colaterais da quimioterapia, como náuseas e vômitos.
Todos esses quadros clínicos têm algo em comum: os tratamentos convencionais muitas vezes falham, e a cannabis medicinal se apresenta como uma alternativa viável e segura.
A Constituição Federal, em seu artigo 196, é clara ao afirmar que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado. Se há um tratamento eficaz disponível, ainda que não seja convencional, negar esse acesso seria ferir um direito constitucional básico.
A jurisprudência recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no recente julgamento do HC 913.386/SP consolidou um entendimento importante: o cultivo doméstico de cannabis para fins medicinais não deve ser criminalizado quando há prescrição médica e autorização da Anvisa. Ou seja, o paciente que segue os requisitos técnicos não pode ser tratado como traficante.
O que se busca aqui não é uma brecha para que o uso recreativo seja liberado sob o disfarce de tratamento médico. O que se busca é garantir segurança jurídica para quem precisa desse medicamento para viver com dignidade.
Outro ponto inegável é o absurdo preço dos medicamentos à base de cannabis, que, na maioria das vezes, são importados e cotados em dólar. Para muitos pacientes, manter um tratamento contínuo significa arcar com custos que ultrapassam qualquer possibilidade financeira razoável.
Negar a esses pacientes o direito ao cultivo próprio da substância sob supervisão médica não é só uma questão de legalidade, mas de humanidade. Afinal, se há a possibilidade de produzir um medicamento de qualidade dentro de casa, com acompanhamento técnico e dentro de um limite seguro, por que criminalizar essa iniciativa?
O grande desafio desse debate é separar as coisas. Não podemos tratar o uso medicinal da cannabis como se fosse um primeiro passo para a liberação irrestrita da maconha. Esse é um erro comum em discursos polarizados.
A legislação brasileira ainda vê o cultivo da cannabis com restrição, e isso faz sentido quando falamos de controle de substâncias psicoativas. Mas quando a discussão envolve pacientes, a aplicação cega da lei penal pode resultar em uma injustiça irreparável.
Se queremos ser sérios nesse debate, precisamos olhar para os fatos com racionalidade. Defender o uso medicinal da cannabis não significa apoiar o uso recreativo. São questões distintas e que devem ser tratadas com a devida separação.
Pacientes que já tentaram todas as alternativas convencionais e encontram na cannabis medicinal uma solução viável têm o direito de acesso a esse tratamento sem o medo de serem criminalizados.
É possível garantir a legalidade, a segurança e o controle sem transformar essa discussão em um campo de guerra ideológico. O direito à saúde não pode ser prejudicado por preconceitos ou discursos extremistas. Afinal, quando a justiça reconhece essa necessidade, cabe a nós, profissionais do direito, garantir que esse direito seja respeitado.
(*) Marco Antônio Chagas Ribeiro é advogado em Rondonópolis