Caro leitor, nessa semana cívica da Pátria, vamos refletir sobre as condições e fatores econômicos externos que auxiliam a explicar a inevitabilidade de um processo político em curso sobre a independência de nosso país, disparado a partir de 1808. A construção do Estado-nação, manteve sua herança colonial, que se firmou com o fim do pacto colonial de caráter mercantilista e exclusivista e que foi gradualmente perdendo justificação, uma vez que nossa emancipação foi fruto de negociação e acordo. Tanto que o processo de independência política foi antecedido de mudanças significativas em seu protagonismo comercial e econômico com Portugal. Quando algumas lideranças da Revolução Liberal de 1820, reclamavam, que Portugal se tinha tornado uma colônia do Brasil, não tinham a noção dos caminhos interpretativos que se abriam sobre as razões desse descontentamento que envolvia atores políticos e agentes econômicos externos em territórios separados pelo Atlântico. Esse assunto a nosso ver carece de aprofundamento.
O primeiro ato da Corte do Príncipe Regente D. João na Bahia, foi a Carta Régia de 1808, que estabeleceu a abertura dos portos brasileiros aos navios da marinha mercante inglesa, fixando condições preferenciais para quem ajudava Portugal a libertar-se do invasor francês. Colocava termo à situação de exclusivo comercial que a metrópole detinha sobre a colônia. Graças a esse “privilégio” do exclusivo comercial que o saldo excedentário da balança de comércio com o Brasil, possibilitou a Portugal, um superávit na sua balança comercial externa. Para as inúmeras narrativas interpretativas sobre as relações de trocas entre Portugal e Brasil, foi o Bloqueio Continental napoleônico de 1806, que permitiu a compreensão do movimento deficitário que a balança comercial lusa, então começava a sentir.
Esta nova situação resultava da dificuldade crescente de exportação de produtos do reino e de sua reexportação de produtos do comércio da elite colonial brasileira para os principais parceiros comerciais europeus, notadamente – a Inglaterra. Portanto, a abertura dos portos nesse contexto, não ocorre como um remédio paliativo para o colapso da balança de comércio portuguesa, mas sim uma solução a curto prazo que ia ao encontro dos interesses de agentes econômicos que atuavam em solo brasileiro ou ambicionavam posição nesse importante mercado, sobretudo, com destaque para produtores e comerciantes ingleses. A transferência da Corte serviria perfeitamente a esse propósito, visto que, o programa ilustrado de reformas não passava de salvaguarda e manutenção do Império. No entanto, na conjuntura adversa em que a Corte se transfere, já não era possível manter os pressupostos do exclusivo colonial em vigor.
Diga-se de passagem que essa transferência se processa num mundo em mudança que assiste a consolidação da Revolução Industrial na Europa e a demonstração crescente no estabelecimento de relações econômicas liberais em âmbito internacional. A aplicação de tal princípio era inevitável, no contexto do deslocamento da Família Real, pois só dessa forma o mercado poderia ser abastecido. O que revela na área intelectual a hegemonia da Ciência da Economia Política, na sua organização, interpretação e funcionamento, com destaque merecido para contribuição associada ao pensamento de Adam Smith (1723-1790). O privilégio Britânico alcançado nos anos imediatos que se seguiram à abertura dos portos foi consolidado com a assinatura dos Tratados de Amizade, Comércio e Navegação de 1810, cujas cláusulas deixavam claras o regime preferencial e protegido aos produtores e comerciantes ingleses, cuja redação desses tratados foi o mais influente dos princípios liberais da economia política, na época.
Ao perder o vínculo exclusivo com Portugal, no quadro do pacto colonial, a economia brasileira gradualmente se projetava na órbita do Império Britânico. Tal circunstância gerou uma nova oportunidade para que o futuro país desse um passo significativo na construção da sua soberania econômica, à semelhança seguido noutros espaços coloniais americanos. Nas vésperas da emancipação política, o enquadramento internacional, tinha ditado as regras da evolução econômica do império luso-brasileiro na fase de oclusão iniciada no período das guerras napoleônicas, que continuava a orientar as relações comerciais entre dois reinos cuja união passara a ser puro fictício. As tentativas de reabilitação desse império só iriam acontecer em 1815, assim como os debates nas Cortes Constituintes em Lisboa (1821-1822) acerca do revigoramento das relações comerciais entre Portugal e Brasil, enfraquecendo um projeto de nação imperial repartida por dois continentes que já não tinha possibilidade de ser conservada.
O comércio atlântico unira Portugal e Brasil mediante um pacto de sujeição colonial que chegara a sua ruptura. O eventual desconhecimento do que passava quase simultâneo nos dois territórios não serve de atenuante ao aprovarem uma Constituição que continuava a tratar o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves como realidade territorial imperial, revelavam seu sentimento de conservar sua condição de metrópole, como se nada de diferente estivesse a ocorrer. A interrogação sobre o futuro dos domínios coloniais deixa dúvida de que o propósito visava antever a possível perda do mercado brasileiro e sua inevitável reconversão de rotas comerciais dirigidas aos estabelecimentos de África. Todavia, o cenário já era outro, uma vez que, abertura dos Portos e Tratados de Amizade e Comércio com a Grã-Bretanha tornava impossível a volta ao passado de um antigo e nefasto pacto colonial de feições mercantilistas.
Além disso, a nova realidade econômica presente, vivia-se novos tempos políticos marcados pela marcha ininterrupta da Independência do Brasil. A presença de uma multiplicidade de perspectivas de entendimento do processo de Independência brasileira torna difícil a adoção de uma posição simplista e unilateral de aceitação ou rejeição dos contornos desse mesmo processo. Entre os manifestos de D. Pedro e os testemunhos de interesses econômicos veiculados pela imprensa brasileira definem-se tensões e posições antagônicas que desaconselham a aceitação de posições definitivas a exemplo disso que o debate em torno da questão da recolonização é prova real. Assim, o projeto de decreto sobre as relações comerciais com o Brasil foi reduzido à insignificância, que gravitava em torno sobre as relações comerciais destinado a instigar os ânimos de austeridade.
Por fim, o apoio declarado de D. Pedro, contra as Cortes Constituintes de Lisboa, satisfazia a princípio aos propósitos de autonomia e independência em relação ao poder político regenerador e liberal estabelecido em Lisboa. A suposta recolonização revestiu a natureza de um mito e serviu para criar um fato político que polarizasse as Cortes de Lisboa. Para os brasileiros desejosos de independência, a Revolução Liberal lusitana de 1820 era inspirador, pois renascia uma expectativa de fim da antiga ordem colonial. Infelizmente, a figura de D. Pedro, amarrava os brasileiros aos desígnios conservadores da Casa de Bragança e da ordem social e política que ela simbolizava. Talvez por isso se tenha atribuído aos protagonistas da Independência brasileira a participação ativa em movimentos de rebelião provincial, criando-se em que o povo surge investido com o propósito e o ímpeto mito fundador do Brasil como uma nação independente.
(*) Ney Iared Reynaldo, doutor em História da América, docente Associado do Curso de Graduação em Ciências Econômicas/FACAP/UFR. E-mail: [email protected]