(*) Maiana Pinheiro
Há, no museu “Rosa Bororo”, em Rondonópolis, uma pequena “exposição”, contendo vinte e sete fotografias emolduradas em quadros de pintura. Essa exposição fica numa parte “escondida” do museu, onde, além dela, pode se encontrar alguns livros infantis (ou não), duas poltronas e dois pufes, além de algumas obras de arte que repousam nos cantos da sala.
As fotografias são de diversas crianças em “seus momentos de ser crianças”. Seja nos braços de um adulto, prestes a pular de um velho balanço amarelo, ou posando espontaneamente atrás de um palhaço, todas essas fotos dialogam com a premissa básica de que, ao registrar momentos da infância, o fazemos por não sabermos lidar com a imprevisibilidade e rapidez do tempo.
Apesar do impacto da exposição, ela permanece como um mistério. Sua autoria, data de produção, identidade das crianças e como chegaram ao Museu Rosa Bororo são desconhecidas. Não se sabe se seu criador é um renomado fotógrafo como Sebastião Salgado ou alguém que simplesmente compilou imagens do Google em quadros.
Enfrentando o desafio de descrever essas belas imagens, porém enigmáticas, retornei ao museu em busca de detalhes adicionais. No entanto, além de uma dor de cabeça e um copo de água, nada mais me foi concedido.
Neste momento, permito-me ressaltar a surpresa que tive ao perceber que, mesmo expostas, as fotografias estavam sem identificação, trazendo apenas a data “16/11/2007” em uma delas. É natural supor que tais obras tenham uma autoria, e que houve um momento em que alguém as contemplou pela primeira vez e considerou importante buscar informações sobre a mente criativa por trás delas. Embora essa fosse uma surpresa minha, presumi que, numa cidade consideravelmente grande como Rondonópolis, deveria haver outros indivíduos que, como eu, também se sentiram insatisfeitos com a maneira como a exposição, assim como outros itens do Museu, foram negligenciados.
Diante da minha dificuldade em encontrar informações, senti-me tentada a encarar essa exposição como um quebra-cabeça pessoal. Similar a quando enfrentamos um cubo mágico e recorremos a soluções alternativas, como desmontá-lo e montá-lo novamente, seguindo a ordem correta das cores. É comum buscarmos saídas criativas diante das nossas limitações. Decidi que assumiria a responsabilidade pela minha própria interpretação, torcendo para que, um dia, aquele ou aquela que fotografou as crianças, viesse até mim e confirmasse ou corrigisse o necessário.
Ainda sobre minha segunda visita ao museu, ouvi de uma amiga que havia me acompanhado que, possivelmente aquelas fotografias faziam parte de um álbum de família. Já em casa, enquanto escrevia esse artigo, peguei algumas das fotos que faziam parte do pequeno “acervo” da minha avó. Assim como nas minhas fotografias, aquelas que vi no Museu Rosa Bororo, transmitiam a antiga mensagem de que “isso é o que realmente importa”. Essa mensagem não estava apenas implícita nos momentos capturados, mas na falsa sensação de que, naquele material fotográfico, não eram apenas crianças retratadas, mas sim a própria essência da infância e do tempo, dois conceitos que escapam ao nosso alcance um instante após serem percebidos.
Durante o tempo que gastei procurando informações sobre data ou autoria, me afastei do que talvez o autor estivesse tentando provocar com seu trabalho. Fazia sentido que aquela exposição sobre infância, estivesse num Museu, um ambiente marcado pelo que já foi e pelo que, por alguma razão, merecia ser lembrado. Qual foi a motivação museal ao receber ou compor a coleção de imagens de crianças?
Em uma das fotografias, existe a presença solitária de um homem em um barco, posicionado no canto inferior da imagem. Ao contrário das crianças e dos adultos ao seu redor, ele não sorri e nem mesmo encara a câmera. Em vez disso, concentra-se em suas próprias mãos, enquanto pombos brancos voam em direção oposta. Não seria equivocado imaginar que essa fotografia traça um paralelo com todo o conceito da exposição, lembrando o público que, embora possamos nos encantar com os doces sorrisos da infância, também necessitamos de algo que nos reconecte com a realidade de que um dia fomos esses sorrisos, mas agora nos encontramos ao lado daquele homem em seu passeio isolado.
Constatar isso, fez da ausência de dados sobre a exposição, um mero detalhe. No entanto, não foi suficiente para mudar a minha percepção do quão mal, a cidade cuida do seu Museu, sua história e por consequência, de si mesma. Mas, prefiro deixar essas observações em segundo plano, dando àquelas crianças incógnitas o protagonismo que merecem, antes que cresçam e se juntem ao solitário do barco.
(*) Maiana Pinheiro de Jesus é acadêmica do curso de História da Universidade Federal de Rondonópolis (UFR)
Que reflexão incrível sobre essa exposição tão belíssima. A infância deve ser um lugar de felicidade plena e é lindo ver a captura desses momentos na exposição, apesar de não haver informações sobre a autoria das imagens, é um privilégio contemplar uma escrita tão sensível a ela. Obrigada Maiana por nos prestigiar com a sua sensibilidade nesse artigo, você é maravilhosa!
Obrigada, minha amiga!
Que reflexão maravilhosa, acredito que a quem a tenha lido, tenha retornado a alguma lembrança da infância e se identificado com a imagem (imaginaria para quem nunca viu a fotografia), do homem no barco, e talvez pensado como eu, o tempo é extremamente complexo, em uma época estamos em sua magnífica essência, com toda a felicidade e bondade ao seu redor, tudo é luz e alegria e em outra só temos a fração de segundos a alegria que um dia foi 24h do dia. A infância é algo belo, valioso e abençoado. Que todas as crianças tenham a oportunidade de ser criança e viver toda a sua essência. Bjs Maiana, minha amiga do Maranhão <3
Obirgada, Thami!!