A mestre em Neurociências Livia Ciacci, neurocientista parceira do Supera – Ginástica para o Cérebro, afirma que é esperado que 90% das pessoas que viveram, presenciaram, resgataram e acompanharam (mesmo que com certa distância) os últimos acontecimentos no Rio Grande do Sul, tenham reações pós-traumáticas, que são normais do sistema nervoso, previstas e com duração de dias a semanas. “Como os estímulos ainda não cessaram, essa duração pode ser um pouco mais estendida”, afirma.
Segundo ela, dentre os comportamentos que caracterizam essas reações estão: a ansiedade, alternância de humor entre tristeza profunda e otimismo, dificuldades para dormir, sono agitado, dificuldade em se conectar com pessoas e cuidar dos filhos e familiares, tendência a se isolar ou a falar o tempo todo sobre a experiência, ou não falar nada, e aumento de reatividade a estímulos pequenos.
“É comum que crianças tenham regressão de comportamentos, como querer chupar chupeta, colo, fraldinhas. Tudo isso é esperado e normal, a única maneira de lidar é acolher e aceitar”, esclarece a especialista.
Livia comenta ainda que o nosso cérebro é capaz de coisas incríveis, mas nas situações traumáticas ele faz com que as pessoas sintam uma combinação de emoções dolorosas, como angústia, ansiedade, impotência, incapacidade, tristeza, insegurança e incerteza. Cada emoção tem a sua função e devemos reconhecê-las e compreender por que estamos nos sentindo assim, e nunca tentar evitá-las ou negá-las, é pior. “Toda a nossa vulnerabilidade está nessas emoções, quando nos reconhecemos, apenas, humanos.”
Como ajudar, a partir dos princípios dos primeiros cuidados psicológicos?
- Ao se prontificar a ajudar alguém, esteja calmo e estável emocionalmente.
- Mantenha expressões amigáveis e voz calma, fale menos e ouça mais.
- Converse pessoalmente em algum ambiente seguro e silencioso.
- Nunca peça para a pessoa relatar o que ela viveu e testemunhou, não é hora.
- Não pressionar nenhuma pessoa a falar, a conversa deve ser espontânea, e sua função é passar a percepção de suporte, acolhimento e ajuda com necessidades básicas práticas, como por exemplo, orientar onde encontrar apoio.
- Seja objetivo e claro nas palavras, sem falas longas, moralistas ou com metáforas.
- Quando der sugestões, que sejam práticas para resolver problemas imediatos. (por exemplo, onde encontrar cuidados médicos, pessoas que podem ajudar, locais onde conseguir objetos e abrigo) sempre tendo cuidado para dizer apenas informações que você tenha certeza.
- NUNCA minimize o sofrimento, falando frases do tipo “não chora”, “você tem que ser forte”, “importante é que você está vivo”, “vai dar tudo certo”, “perdeu só coisas materiais”, “Deus quis assim”. Substitua por paráfrases, repetindo o que você ouviu e entendeu, assumindo uma postura de que esse sofrimento é coerente e válido. Tentar ser positivo demais pode passar a impressão de invalidação e menosprezo do sofrimento.
- NUNCA fale dos seus problemas e nem faça promessas.
- Se crianças mencionarem culpa, explique que elas não têm influência nenhuma sobre o que aconteceu. Sempre de forma simples, linguagem fácil e sem colocar peso no acontecimento.
“Não patologize e não fale de sintomas nesse momento. Essas reações não são transtornos e a recuperação acontecerá sem intervenção na maior parte das pessoas. O período de recuperação vai variar dentro de alguns meses. Se, após a resolução da crise, quando a maioria já conseguiu retornar à uma rotina, ainda perceber pessoas se isolando, sofrendo as reações, com medos vinculados à experiência, aí sim podemos falar em transtorno do estresse pós-traumático (TEPT) e procurar atendimento especializado. É esperado que 30% das pessoas impactadas desenvolvam TEPT”, explica Livia.
Regulação Emocional
A neurocientista esclarece que a regulação emocional não é evitar os sentimentos, mas reconhecê-los, aceitá-los e escolher como responder. E deixa algumas dicas para que ela aconteça:
- Identifique as emoções que está sentindo, já que aceitá-las e acolhê-las faz parte do processo;
- Se as emoções forem muito intensas, use estratégias como a respiração profunda, e fale sobre os sentimentos com alguém próximo;
- Envolva-se o quanto antes em uma rotina mínima, que traga a sensação de recuperar o controle;
- Envolva-se em atividades de apoio a outras pessoas, isso ajuda na autoconfiança;
- Verifique os fatos e use o pensamento racional em conjunto com as emoções, para tomar decisões e calcular os próximos passos;
- Celebre todos os pequenos ganhos do processo.
“Devemos validar e reconhecer cada uma dessas emoções. Mostrar que as pessoas não estão sozinhas. Que estamos aqui para ouvir e acolher. Porque mesmo que o sofrimento seja inevitável, nós podemos aceitá-lo e direcionar os olhos para frente. Somos sociais, e agora, mais do que nunca, é essencial essa força do grupo”, conclui Livia.
Fonte de Pesquisa: “Guia de Boas Práticas da OMS (Organização Mundial de Saúde)”